Artigo precioso para qualquer cristão.
Por Gavin Levi Aitken
Tem sido interessante observar o fundo histórico de cada aluno que participou do Curso de Visitação Hospitalar. De uma maneira ou de outra, cada um passou por tamanha adversidade, ou na vida pessoal ou na vida familiar. Muitos têm vindo para o curso, creio eu, em busca de respostas para a sua própria situação.
Sei, de experiência própria, que meu interesse neste assunto veio em consequência de uma grande perda sofrida em minha própria vida alguns anos atrás. Com a perda de minha esposa, depois de 35 anos de namoro, noivado e casamento, eu e a minha filha passamos a examinar esta questão em busca de soluções.
As lições aprendidas naquela ocasião, e desde então, muito me marcaram. Espero conseguir passar, pelo menos, a essência daquilo que parece formar a teologia bíblica do sofrimento. Estas informações serão valiosas para o visitador que procura passar para o enfermo uma mensagem de esperança.
Nunca tinha parado para pensar antes na origem, na fonte de nossas adversidades. Fiquei muito deprimido em saber que, segundo a noção popular, a adversidade é sempre a consequência do pecado cometido por nós ou por causa de atividades puramente satânicas. O importante é observar o advérbio“sempre” na frase já mencionada.
Não havia dúvidas, na minha mente, de que haveria situações na vida em que a adversidade seria, realmente, a consequência de pecado ou de alguma influência satânica. Acreditar, contudo, que toda e qualquer adversidade seria consequência de uma dessas fontes não explicava a adversidade experimentada por grandes servos de Deus, no cumprimento de um ministério santo.
Esse assunto vem à tona, durante o ministério de nosso Senhor, quando em João 9 ele se encontra com um homem cego de nascença. Os discípulos encararam a situação com a ótica costumeira. Isto é, do ponto de vista deles, alguém havia pecado na história. A dúvida, na mente dos discípulos, não era quanto a ter havido pecado, ou não, mas, sim, quanto a quem pecou (veja os vs. 1-2).
Ao refletirmos isso, as implicações são simplesmente fantásticas. Mesmo que eu não esteja enxergando aquele propósito, pelo menos não no presente, posso confiar num Deus que diz que ele existe. É necessário, porém, que esteja crendo num Deus capaz de realizar tal propósito em minha vida. Como isso se difere da tendência natural, temos de admitir que muitas vezes, no meio da adversidade, chegamos a questionar a bondade de Deus, se não a sua própria existência. Enxergando a adversidade como consequência de algo que fizemos, achamos que Deus exagerou na administração de sua justiça, de sua retribuição.
Como muda a história, como muda a nossa perspectiva das coisas, como muda a nossa visão de Deus ao considerarmos a colocação feita pelo Senhor Jesus em termos do homem nascido cego. Será possível, contudo, que seja um mero caso isolado ou será que existe fundamento bíblico mais amplo para tal perspectiva?
Só precisamos virar as páginas de nossa Bíblia, de fato, do próprio Evangelho de João, para encontrar outro caso semelhante. Em João 11, lemos sobre a adversidade sofrida por uma família que Jesus amava e muito.
A leitura do trecho inteiro não permite, de maneira alguma, que nossas mentes pensem na possibilidade de pecado provocando tamanha adversidade. Mas o trecho certamente salienta a perspectiva de haver algum propósito. De fato, o propósito parece ser
duplo em natureza.
1. A glória de Deus – “Esta enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus, a fim de que o Filho de Deus seja por ela glorificado” (v.4).
2. A salvação de homens – “Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste” (vs. 41-42).
Note bem as frases que indicam propósito em ambos os versículos. Não há nenhuma dúvida de que tais propósitos se realizaram no decorrer da história. Como é bom termos esta confirmação. Quer dizer que o caso do homem nascido cego não é um caso isolado. Mais uma vez, o nosso Deus assume o papel de administrador de nossas adversidades.
Podemos enxergar essa mesma realidade na história de Jó, no Antigo Testamento. Mesmo que Satanás pareça ser o instigador no caso, acusando Jó de uma lealdade cega em relação a Deus, o nosso Deus passa a administrar as provações experimentadas por ele.
Um dos casos mais notáveis, no Novo Testamento, é o exemplo de Paulo, em 2Coríntios 12. Novamente, Satanás parece ser o instigador, mas Deus inverte todo o processo visando ao seu propósito. Observemos, com cuidado, como o verso 7 começa e termina – “para que” e “a fim de que”. Ambas as frases indicam propósito.
Ao analisarmos o propósito (“não me ensoberbecer ” e “não me exaltar ”), jamais poderia ter sido o propósito de Satanás. De fato, se fosse dele, teria de ser exatamente o contrário. A própria história de Satanás é um a história de soberba, de exaltação e é por este mesmo caminho que ele procura conduzir todo homem (1Tm 3.6).
Deus, querendo manter a utilidade de seu servo, por cultivar nele um espírito de humildade, permite a continuidade do “espinho na carne”, apesar das repetidas súplicas de Paulo. Deus afirma que está administrando esta adversidade quando diz: “A minha graça te basta” (v. 9). A aceitação deste fato e do propósito em si é vista no restante do trecho… “De boa vontade, pois…” (vs. 9-10).
Tudo isso está em perfeita sintonia com os ensinamentos de Tiago (veja Tg 1.2-4). É pelo fato de Tiago enxergar um propósito nas provações, na adversidade (“… para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” v. 4) que ele nos admoesta, no versículo 2: “Meu s irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações.”
Observe bem como Tiago nos leva a raciocinar, com ele, todo o processo: “Sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa” (vs. 3-4).
Tiago não está dizendo que precisamos compreender, enxergar o propósito para que este se realize em nós, apenas acreditar em Deus, que ele existe e confiar nele para administrar todo o processo. Claro que pode haver questiona mentos neste sentido, mas Tiago nos diz: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça – a a Deus, que a todos dá liberalmente… Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando” (vs. 5-6).
Há mais uma consideração antes de encerrar este capítulo. Sem dúvida, o período mais difícil a ser vivido por nós é aquele que começa com o nosso clamor a Deus por socorro, no meio da adversidade, e quando ele finalmente responde a nós.
É um período em que precisamos ganhar uma perspectiva das coisas. O que torna este processo tão difícil é a necessidade de ter de lidar com o suposto “silêncio de Deus”. Do nosso ponto de vista, seria bem mais fácil ganhar uma perspectiva se Deus rompesse o silêncio e nos comunicasse o seu propósito. Na maioria dos casos, contudo, isto não acontece.
É justamente nessa altura que a nossa fé, a nossa confiança em Deus, é confirmada, produzindo a perseverança que deve ter ação completa (Tg 1.3-4). É necessário entender uma coisa: o silêncio de Deus não é indicativo de sua inatividade. Mais cedo ou mais tarde vamos compreender como Deus trabalha por trás do cenário, levando a cabo todos os seus propósitos.
A história de José, no livro de Gênesis, comprova esse fato. Creio que eu, se estivesse no lugar dele, teria questionado o silêncio de Deus o tempo todo, pois teria entendido – o como sendo evidência de sua inatividade. Como é importante ter o registro desta história nas Sagradas Escrituras. Como é necessário enxergar o processo que Deus começa com um filho mimado, transformando- o mediante várias experiências adversas, para que a história termine com um homem capaz de liderar uma nação inteira em época de crise.
Se Deus tivesse rompido o silêncio, o processo nunca teria tido a sua ação completa. Não há nenhuma dúvida, Deus poderia ter encurtado o processo, mas a ação teria sido incompleta. Como é necessário confiar em Deus para que o seu propósito se realize e para que ganhemos uma nova perspectiva da nossa adversidade.
Como foi importante ganhar esta perspectiva em minha própria vida, por ocasião do falecimento da minha primeira esposa. Hoje, no ministério de Capelania, percebo a sabedoria de Deus no processo todo. Hoje sou testemunha do fato que: “É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus” (2Co 1.4).
Como é gostoso passar esta visão para os pacientes que visitamos no contexto do hospital. Que palavra de conforto, de esperança!
Fonte: No leito da enfermidade , 6ª ed., Eleny Vassão, Cultura Cristã, p. 35-39
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