Querido irmão Zambelli, acho muito difícil ter posições radicais com meus irmãos na fé sobre alguns assuntos da Bíblia. Às vezes isso soa como falta de amor. Assim, eu lhe pergunto: devemos realmente ser dogmáticos?
Renata J. S.[1]
Resposta
Irmã Renata,
sua pergunta é tão importante quanto controversial.[2] Usei esta palavra porque ela está presente no título do livro de John Stott, [infelizmente] não publicado em português: “Christ the Controversialist” [Cristo o controversista] – IVP, 1970. Pretendo contextualizar os argumentos dele para responder sua questão.
Antes, deixe-me dizer que sua afirmação me parece verdadeira: uma posição radical por vezes soa como falta de amor. Todavia, a questão não é a posição por si mesma, mas a forma como geralmente a expressamos. Ademais, até antes disso, dizer que a posição é radical sugere que ela é exagerada (e por isso equivocada), pois a palavra “radical” traz consigo um conceito pejorativo.
Sua resposta: sim, creio que devemos ser dogmáticos em todas claras doutrinas bíblicas. Eu não posso abrir mão, por exemplo, de dizer que Jesus Cristo é meu único Salvador. Isso é muito claro nas Escrituras: Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pela qual devamos ser salvos (Atos 4.12); somente por meio de Jesus temos acesso ao Pai e à salvação eterna. Renata, existem centenas de claras doutrinas nas Escrituras.
Como eu, John Stott crê que devemos ser dogmáticos naquilo que as Escrituras são claras. Por outro lado, Renata, fique bem avisada que manter uma posição fiel a Bíblia e Jesus traz consigo diversas dificuldades:[3]
1. Pessoas cujas opiniões são claramente formuladas e firmemente defendidas não são populares.
A mentalidade brilhante nos dias de hoje é aquela que está aberta para todas as perspectivas, que absorve as novas ideias e está disposta a aceitá-las sem embaraço.
Sobre ter mentes abertas, G. K. Chesterton escreveu em sua autobiografia sobre H. G. Wells: “Acho que ele pensou que o objeto de abrir a mente é simplesmente abrir a mente, como abrir a boca é fechá-la para algo sólido.”[4] Samuel Butler relacionou a mente aberta com um quarto de portas abertas: “… não deve ficar tão aberta para não perder o que está dentro.”[5]
2. Oposição à intolerância.
Hoje em dia não há espaço para críticas. Quando feitas, as pessoas entendem quase sempre como um ataque pessoal.
O mundo prega: “lute pelo o que você acredita!” Ao mesmo tempo sussurram: “mas não fale contra o que outros acreditam.” Pense: como podemos ser tolerantes com o que Deus plenamente revelou ser mau ou errado?
Não se esqueça das palavras do apóstolo Paulo, Renata: É justo que eu assim me sinta a respeito de todos vocês, uma vez que os tenho em meu coração, pois, quer nas correntes que me prendem quer defendendo e confirmando o evangelho, todos vocês participam comigo da graça de Deus (Fp 1.7 – grifo meu).
3. A marcha anticristã.
Existem muitas forças contra o genuíno cristianismo. O número percentual de seguidores de Cristo visivelmente diminui em países que clamaram e lutarem por sua saúde há aproximadamente 500 anos. O ateísmo, outras religiões e o cientificismo são exemplos de guerreiros que lutam contra o dogmatismo bíblico. Infelizmente, ainda pior, são as divisões muitas vezes desnecessárias que existem na família de Deus. Renata, imagine se tivéssemos que lutar contra os adversários de Cristo, você acha que estaríamos unidos e focados?
4. O espírito de ecumenismo.
Como Stott, estou longe de fazer qualquer crítica aos esforços de genuínos cristãos que se empenham, unidos, em pensar a Palavra de Deus e estabelecer alicerces para ações missionárias, evangelísticas e de cunho civil-social, por exemplo.
Stott brilhantemente disse: “A atividade apropriada de cristãos professos que discordam um do outro não é nem ignorar, nem esconder, nem minimizar as diferenças, porém, debatê-las.”[6] Compreendo a dificuldades que existem nesses diálogos, mas isso está mais ligado à imaturidade daqueles que intentam este alvo, do que com a prática do debate. Stott, ao final do capítulo, sobre este tema, diz: “Agora, em tal diálogo definição teológica é indispensável.”[7]
Renata, eu também acho difícil ter posições radicais, mas a própria Palavra nos ensina que o erro deve ser exortado, a ponto de eu, num estado de rebeldia de meu irmão, ter de tratá-lo como pagão ou publicano (Mt 18.15ss). Eu hoje faço parte do time dos dogmáticos, mas sem me esquecer do fundamento que deve reger toda e qualquer vida: o amor.
Querida irmã, continue a desenvolver seu conhecimento pela Palavra de Deus com mestres, pastores, professores e irmãos piedosos. Tenha amigos e especialmente amigas que lhe ajudem a perceber quando você estiver falhando na demonstração da verdade e na falta de amor, mas nunca falte com o dogmatismo que encontramos na vida do exemplo mor: Jesus Cristo. Por fim, não se esqueça que a base da comunhão se encontra no alicerce da Palavra, a verdade. Omitir-se levará você e seus irmãos, o corpo de Cristo, a viver quém das expectivas do Criador. Você é um instrumento nas mãos do Redentor.
Encerro esta carta, Renata, com uma frase de Charles Swindoll, que eu admiro muito pela aplicação das Escrituras:
Podemos chamar isso de amor, mas quando abrimos nossas mentes para todas as doutrinas, convidamos destruição. O amor nunca compromete verdade.
Por causa dEle,
T. Zambelli
[1] Carta fictícia.
[2] Relativo à controvérsia. Veja http://www.dicio.com.br/controversial/
[3] Estas dificuldades foram apontadas por John Stott, em Jesus the Controversialist.
[4] Tradução livre, p.16.
[5] Idem.
[6] P.22
[7] P.25
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