Será que sua história com seu pai é justificativa legítima de você não conseguir entender a Deus? O autor deste artigo, deixa isso bem claro, a despeito do que ensina a psicologia.
Por David Powlison
Os conceitos de nossa cultura psicologizada saturam a maneira de pensarmos a respeito de nós mesmos e de outras pessoas. Nem mesmo os crentes em Cristo escapam.
Esta é uma frase que tenho ouvido repetidas vezes, mencionada por conselheiros cristão e por aqueles que lutam com problemas pessoais: “Você não pode compreender verdadeiramente a paternidade de Deus se não teve um bom relacionamento com seu pai”. Esta primeira afirmação relaciona-se a outra que diz respeito aos métodos de aconselhamento e ao crescimento cristão: “Se a sua história de vida inclui problemas com seu pai, você precisa ter uma experiência terapêutica ou emocional que corrija a deficiência. Você precisa do amor de um pai-substituto, terapeuta, mentor ou grupo de apoio para ser capaz de conhecer a Deus como um Pai amoroso”.
Essas duas afirmações são verdadeiras? Se o seu pai abusou de você, foi exigente, crítico, negligente ou egoísta, você está impossibilitado de conhecer a Deus como um Pai amoroso? Você precisa antes experimentar um relacionamento humano que corrija o anterior para que então “Deus é meu Pai” passe a ser uma realidade que traz alento?
Quando devidamente examinadas, ambas as afirmações mostram-se falsas. Elas distorcem a natureza do coração humano e negam o poder da Palavra de Deus e do Espírito Santo. Com isso, não queremos dizer que as pessoas cujos pais falharam não estejam propensas a projetar com frequência as imagens humanas no Deus verdadeiro. A primeira afirmação coincide de modo razoável com um fenômeno comum. No entanto, as pessoas distorcem sua perspectiva de Deus porque tiveram pais que pecaram ou por alguma outra razão? A segunda afirmação também coincide plausivelmente com um fenômeno comum. Sem dúvida, ter bons amigos, cuidadosos e sábios, é um auxílio tremendo para uma mudança de perspectiva. No entanto, será que os relacionamentos humanos encorajadores podem corrigir fundamentalmente o problema de uma visão errada de Deus, ou existe uma solução diferente?
Comece a pensar na seguinte questão: no curso normal da vida, nenhuma das imagens e metáforas que Deus usa para descrever a Si mesmo costuma ter experiências correlatas maravilhosas. Os pais pecadores não são os únicos que representam mal a Deus. Por exemplo, pense na expressão “Deus é Rei”. Os governantes humanos são com frequência corruptos, distantes, tiranos ou incapazes. Para qual rei ou presidente olhamos para exemplificar Deus Rei? Os governantes que refletem a imagem de Deus sempre foram notoriamente raros. Será que a nossa experiência com políticos e governantes nos impede de conhecer a Deus como Rei e Juiz? A Bíblia nos conta a respeito de reis maus e medíocres, o tipo de governante que costumamos encontrar com maior frequência. Ela também nos fala de reis bons, assim como Deus é bom. Permitiremos que a nossa percepção de Deus seja ditada pela Palavra de Deus ou pela experiência? A Bíblia deve questionar a experiência e instruí-la progressivamente.
Considere mais um exemplo: “O Senhor é o meu pastor”. Os pastores podem proporcionar um modelo duvidoso. Poucos são como Phillip Keller, que retratou de modo cativante o cuidado e a sabedoria do ofício de pastor em seu livro Nada me Faltará: o Salmo 23 à luz das experiências de um pastor de ovelhas. Na vida real, a maioria dos pastores são trabalhadores braçais, subalternos, pertencentes a uma classe social pouco privilegiada, enquanto a maioria das ilustrações de livros retratam cenas de jovens formosos cuidando de cordeiros em pastos verdejantes. Alguma destas figuras descreve a Deus? O Salmo 23 não teria poder para nos fortalecer até conhecermos um pastor de ovelhas conforme descrito por Phillip Keller? E o que dizer dos pastores do rebanho de Deus que conhecemos? Alguns podem ser cobiçosos, arrogantes e negligentes, conforme Ezequiel 34 descreve. Isso quer dizer que não podemos ser confortados por Deus como Pastor até que tenhamos a experiência de conhecer um pastor piedoso? A Bíblia descreve tanto o mau pastor como o Bom Pastor (João 10). Nossa escolha será crer na experiência com homens ímpios ou na verdade de Deus?
Considere agora que “O Senhor é o meu mestre, e eu sou escravo sob seu jugo”. Qual a nossa experiência típica com chefes, supervisores, administradores, diretores executivos? Com frequência, há distanciamento, rivalidade e suspeita entre as autoridades e seus subordinados. A escravidão, literalmente, esteve sempre repleta de degradação e ressentimento. Ainda assim, Deus é retratado como um senhor bondoso e nós somos retratados como Seus escravos voluntários. Mais uma vez, determinado tipo de experiência pode apontar para dois diferentes ângulos. Há bons e maus relacionamentos entre senhor e escravo. Em que vamos acreditar?
Considere a seguinte figura bíblica: “Deus é meu Salvador, Resgatador e Ajudador”. Pense naqueles que procuram cumprir o papel de salvador, resgatando ou recuperando outros. Talvez tenham um “complexo de messias”. Ou talvez sejam capacitadores que, na verdade, podem alimentar o problema. Eles podem ser orgulhosos, intrometidos, cheios de justiça própria, controladores. Com frequência, ficam deprimidos ou amargurados. O fato de você ter conhecido apenas pseudo-salvadores em sua experiência de vida impossibilita que você conheça plenamente a Cristo como seu Salvador?
Considere um último exemplo, o principal: “O Senhor é Deus”. Qual é a experiência comum do homem com “Deus”? Dependendo da pessoa a quem você ouve, Deus pode ser uma abstração filosófica, um poder mais elevado, um ídolo, uma experiência resultante de meditação, um tirano distante, um bom companheiro, um vovô bondoso ou mesmo o seu “Deus interior”. Todos esses retratos de “Deus” deformam grosseiramente o verdadeiro Deus. Será impossível conhecer o Deus vivo e verdadeiro se gastei minha vida adorando estas imagens falsas de Deus? A Bíblia inteira repudia essa ideia e se dispõe a abrir os olhos do homem para convertê-lo das trevas para a luz (At 26.18).
Em cada um dos exemplos acima, é absurdo dizer que a experiência de vida dita a experiência cristã de conhecer a Deus. Por que para tantas pessoas “Deus como Pai” parece ser uma exceção? A fonte intelectual da ideia de que a experiência com seu pai determina a perspectiva que você tem do Pai celestial é a psicologia psicodinâmica e não a Bíblia. Certamente esta ideia soa bem ao coração humano. Como pecadores, nossa tendência é produzir imagens falsas de Deus e nossos pais são os primeiros candidatos para o retrato. Como pecadores, somos rápidos em omitir nossa responsabilidade pela nossa própria falta de fé. Gostamos do papel de vítimas. Quando projetamos em Deus mentiras e imagens falsas, preferimos apontar para nossos pais como a causa do problema, em lugar de olhar para o nosso próprio coração. O insight psicológico, na verdade, vai ao encontro das tendências do coração humano, em lugar de renovar o coração pela verdade do Espírito de Deus. As técnica terapêuticas que usam o relacionamento com o terapeuta para reestruturar a experiência de vida apenas substituem uma imagem falsa de Deus por outra igualmente falsa. O Deus vivo e verdadeiro não se assemelha ao terapeuta benigno que cobre de aceitação assim como não se assemelha ao pai abusivo que pratica a rejeição. O Deus verdadeiro não é liberal nem cruel.
As pessoas mudam quando assumem responsabilidade por aquilo que crêem a respeito de Deus. Elas mudam quando a verdade bíblica é vista em cores e com som Dolby, mais vívida e em tom mais alto do que as experiências prévias da vida. As pessoas mudam quando elas têm ouvidos para ouvir e olhos para ver o que Deus nos diz a respeito de Si mesmo.
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