“Adorar a Jesus é idolatria,” de acordo com a Sociedade Torre da Vigia [STV]. De acordo com essa entidade religiosa, “a Bíblia deixa bem claro […] que a adoração — no sentido de reverência e devoção religiosas — deve ser dirigida unicamente a Deus. Moisés o descreveu como ‘um Deus que exige devoção exclusiva’.” [É correto adorar a Jesus? – Despertai, 2000, pp.27]. Oferecer adoração a Jesus Cristo seria uma violação desse princípio, e portanto, um ato de idolatria. De acordo com a STV, Jesus é digno da nossa homenagem, mas não da nossa adoração, afinal, apenas Jeová é digno de adoração.
Introdução – O Argumento da STV
De acordo com a STV, o termo recorrentemente usado no NT para descrever aquilo que os cristãos chamam de adoração é na verdade um ato de reverência apenas, uma prestação de homenagem. Em Hb.1.6, por exemplo, a Tradução do Novo Mundo, a bíblia produzida pela STV, evita o termoadoração e adota o a expressão prestar homenagem: “Mas, ao trazer novamente o seu Primogênito à terra habitada, ele diz: E todos os anjos de Deus lhe prestem homenagem.” [TNM]. A justificativa para essa tradução se encontra no fato de que, de acordo com a STV, o termo προσκυνέω (proskynéö) usado nesse verso pode significar tanto adoração (no sentido religiosos) como uma reverente homenagem (sem sentido religioso).
O primeiro sentido, de acordo com a STV é claramente visto em Mat.4.10, no qual lemos: “Jesus disse-lhe então: “Vai-te, Satanás! Pois está escrito: ‘É a Jeová, teu Deus, que tens de adorar e é somente a ele que tens de prestar serviço sagrado.’” [TNM]. Já o segundo sentido é encontrado em 1Reis, no qual a Septuaginta [LXX], a tradução grega do AT, usa προσκυνέω para descrever a atitude de Natã diante de Davi: “Informaram imediatamente o rei, dizendo: “Aí está Natã, o profeta!” Depois ele entrou perante o rei e prostrou-se diante do rei com o rosto por terra.” [TNM].
De acordo com esses dois exemplos é possível perceber um pouco da abrangência semântica do termo προσκυνέω, que é realmente usado sem qualquer conotação religiosa. A questão é, portanto, relacionada ao critério que se define quando o sentido religioso está presente e quando o sentido não-religioso de προσκυνέω está sendo utilizado. Para a STV, o critério é simples: Se o termo προσκυνέω é usado em referência a Deus o sentido religioso deve estar presente. Se o mesmo termo é usado em referência a qualquer outra pessoa o sentido não-religioso pode ser utilizado de acordo com o contexto. Entretanto, a grande pergunta que fazemos é: Como é que a STV sabe que o termo quando aplicado a Cristo nunca tem sentido religioso? Se ambos sentidos são possíveis, qual é o critério a ser usado para definir o sentido expresso pelo autor quando Cristo é o objeto do verbo προσκυνέω?
Uma coisa é afirmar que o termo προσκυνέω pode conotar uma ação não-religiosa, outra é definir que tal conotação acontece em todas as ocasiões na qual os autores se referem a Cristo. Infelizmente, a STV não nos oferece qualquer explicação sobre o critério que usam para definir que o sentido religioso nunca acontece em referência a Cristo, e comete quatro equívocos metodológicos ao introduzir sua teoria semântica de προσκυνέω:
(1) Análise seletiva e pressuposta das evidências: Poucos versos são examinados e apenas aqueles que favorecem a interpretação esperada são tratados. A STV encobre as dificuldades para valorizar a própria conclusão e com isso induz o indouto a pensar que tal análise é satisfatória e que tal conclusão é válida. Na intenção de responder a pergunta, “Jesus recebeu adoração?“, a STV parte do ponto de vista que Jesus não pode receber adoração e analisa seletivamente a evidência léxica e comete a falácia de círculo viciosos: Jesus não recebe adoração no NT, por que Jesus não pode receber adoração.
(2) Citação fragmentada: Quase nenhum respaldo léxico é apresentado satisfatoriamente nos artigos da STV. Por exemplo, no artigo Jesus Cristo do livro Raciocínios, em Hebreus 1.6, o autor apresenta apenas parte da definição de προσκυνέω de acordo com o BAGD, e apenas a parte que contribui com o sentido favorecido pela instituição: “A palavra grega traduzida ‘adorar’ é pro·sky·né·o, que A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature diz que também era “usada para indicar o costume de prostrar-se diante duma pessoa e beijar-lhe os pés, a orla da sua veste, o chão”. (Chicago, EUA, 1979, Bauer, Arndt, Gingrich, Danker; 2.a ed. em inglês; p. 716).” A definição apresentada pelo BADG, que tem cinco diferentes nuances, é largamente mais extensa e completa do que a citação fragmentada do artigo dá a entender. Quando a STV cita pela metade para valorizar sua preferência, ela esconder do leitor evidências importantes. Por exemplo, a frase citada do BAGD foi intencionalmente reduzida para validar as conclusões teológicas da STV. É fato que a palavra προσκυνέω “usada para indicar o costume de prostrar-se diante duma pessoa e beijar-lhe os pés, a orla da sua veste, o chão“, mas a STV omite o fim da mesma sentença que afirma que tal atitude era realizada “pelos Persas na presença do seus deificados reis e os Gregos o faziam diante de uma divindade ou alguém santo“. Em outras palavras, a STV picota do léxico apenas a informação que lhe convém e esconde o fato de que o BAGD não está falando de um sentido não-religioso do termo. Na verdade, nessa frase o BAGD está enfatizando exatamente o contrário: o ato de prostrar-se diante de uma pessoa e beijar-lhe os pés era uma atitude de religiosa direcionada a divindades ou pessoas tidas como divinas.
(3) Falsa dicotomia: Outro problema latente nas publicações da STV é a falsa dicotomia: Ou A ou B; Ou o termo tem sentido religioso ou não-religioso. Será que προσκυνέω tem campo semântico tão restritivo? Será quando o autor intenciona destacar o sentido de adoração de προσκυνέω ele rejeita completamente o sentido de homenagem ou respeito? Como é possível saber se a ação de prostrar-se é exclusivamente religiosa? Novamente, a STV não apresenta qualquer evidência de que tal conclusão é plausível.
(4) Teologia como base para definição léxica: Em última análise, a STV usa a própria teologia como base para as conclusões léxicas que defende, sem qualquer fundamentação léxica ou sintática. Nenhum estudo do vocábulo é apresentado, ou qualquer discussão léxico-morfológica é apresentada. Na verdade, a evidência apresentada é presumida como suficiente e a conclusão teológica de que Cristo não pode receber adoração guia o estudo do termo de tal forma que Cristo nunca é adorado no NT.
Tendo dito isso, nós precisamos realizar um estudo de vocábulo de προσκυνέω, apresentado seu uso dentro e fora do NT para então oferecer alguns critérios contextuais e morfológicos (não teológicos) que podem auxiliar a identificação do sentido de προσκυνέω no texto bíblico.
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