Não é incomum encontrar na internet textos escritos por cristão expondo suas convicções de modo intenso, áspero e com o tom de dono da verdade. Comoblogueiro ainda não obtive expressão no mundo da internet (e com os tipos de textos que me identifico e escrevo, é bem provável que isso não venha a acontecer) a ponto de sofrer desse tipo de crítica. À exceção de alguns arianos modernos, não tenho sido alvo de ferrenhas críticas.
Entretanto, espanta-me o quanto se critica na internet, sem qualquer pudor ou mesmo razão. Aparentemente cristãos verdadeiros, mas tão cegos por suas próprias convicções que chegam a afirmar e defender alguns absurdos desnecessários. Com acusação de perversão da verdade, falsidade, heresia e desvio da fé, tais cristãos condenam quase tudo o que se crê, pratica e ensina nas igrejas cristãs dos nossos dias.
Deixe-me clarificar o que quero dizer com isso: Não estou a defender a libertinagem, nem mesmo a heresia, ou o que for contrário ao ensino das escrituras: Com isso me ocupo e isso procuro defender. Nesse artigo, gostaria de me referir àquele tipo de cristianismo que tem o dogma antes do cérebro: O FUNDAMENTALISMO de postura não de fé.
A palavra fundamentalismo já foi definida teologicamente, e com seu conceito me identifico: nesse sentido, fundamentalista é aquele que acredita e confia na Bíblia, considera a divindade de Jesus Cristo, crê no nascimento virginal de Jesus, crê em sua morte e ressurreição a favor da humanidade e que espera seu retorno pessoal no futuro (Nesse grupo eu me enquadro). Entretanto, esse termo também é usado fora da fé para definir um grupo de pessoas extremistas em diversas áreas da vida. Há quem diga que o fundamentalista é aquele que “acredita em seus dogmas como verdade absoluta, indiscutível, sem abrir-se, portanto, à premissa do diálogo” (Wikipédia). Nesse sentido, o conceito não se trata não do conteúdo da fé, mas da postura que se tem com acredita e defende. Assim, um ateu pode ser fundamentalista, ou até quem sabe alguém de posições políticas fortes.
É com esse sentido que digo que existe um Fundamentalismo de Postura entre os cristãos, que os faz pensar que são a regula da fé, instrumentos separados por Deus para proteger o seu povo (até por que já estou fora do povo deles), responsáveis pela manutenção da verdade. Do alto de suas torres de marfim de santidade e visão correta da fé (ortodoxos por definição e essência) criticam a ponto de descer o sarrafo nos cristãos paganizados dos nossos dias.
Há poucos dias encontrei na internet um grupo de cristãos, que por (cego) zelo pela verdade escrevem ferrenhamente contra práticas encontradas na grande maioria das igrejas, mesmo as mais inofensivas para as quais as escrituras não trazem prescrição definida. Esse é o caso do uso de determinados instrumentos musicais nas igrejas.
Ainda me impressiona como se pode manipular as escrituras para se defender tolices. Me impressiona ainda mais como algumas pessoas são incapazes de refletir antes de condenar. Um desses defensores de que a bateria deveria ser retiradas das igrejas, defende que a percussão origina-se no Diabo. ISSO MESMO! A bateria não poderia ter lugar na igreja pois o primeiro percussionista do mundo foi Satanás:
“A seguinte pergunta se faz necessária: Quem foi o primeiro a usar os instrumentos de percussão? A primeira pessoa registrada na Bíblia a usar instrumento de percussão foi justamente Lúcifer: Estiveste no Éden, jardim de Deus; de toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardónia, topázio, diamante, turquesa, ónix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados (Ez 28.13)”
Impressionante como a falta de reflexão faz com que cristãos defendam absurdos desnecessários e condenem outros com suas ideologias. Fico pasmo, com esse tipo de defesa ideológica, é como se fôssemos adoradores do Diabo por usarmos um INSTRUMENTO.
Para esse mesmo autor, o segundo ponto para se retirar das igrejas as baterias é o fato de que a percussão é o tipo de instrumento utilizado pelos cultos pagãos e rituais satânicos. Se isso fosse levado à sério, também deveriam ser proibidas igrejas com sistema de som, pois os shows, os trios-elétricos estão abarrotados desse material. Microfone, nem pensar: O Chacrinha, o Faustão, o Gugu, o Silvio Santos, a Madonna, e várias outras celebridades pagãs o utilizam. Também acho melhor retirar dos cultos os termos e gravatas, afinal, políticos malfadados também os usam. Aqui está o exemplo mais clássico de fundamentalismo de postura: Não trata-se do conteúdo da fé, mas da postura em relação à sua defesa. A irracionalidade é o fator predominante seguido da condenação.
Outro ponto para se retirar das igrejas as baterias é que grandes nomes (na conceituação do autor) da música defendem a percussão com um poder sobrenatural, sensual ou de conexão com o lado negro da força. Ou seja, por que alguém disse que a percussão abre portas para uma outra dimensão espiritual, todo toque da percussão deve fazer isso. Na defesa de suas convicções, esse autor sacraliza a opinião de pagãos: O que eles disseram é verdadeiro, portanto, devo tirar a bateria da igreja.
É triste, mas é verdade. Existe um Fundamentalismo de Postura entre os cristãos que condenam outros cristãos: que chama a bateria de Diana dos Evangélicos, como se ela fosse alvo de culto na igreja. Quem os constituiu juiz e partidor entre nós?
Esse é o tipo de Fundamentalismo Desnecessário. Não contribui, apenas atrapalha. A esses cristãos apenas dedico meu pesar, e torço para que suas vozes sejam silenciadas pelo som bom senso.
Antes de terminar esse breve artigo, dou-me o direito de citar um texto das escrituras: “Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos. Louvai-o com címbalos sonoros; louvai-o com címbalos retumbantes” (Sl 150.4-5).
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