Baseado no primeiro capítulo do livro How People Change, por Timothy Lane e Paul Tripp.
É bastante frequente eu fazer uma diferenciação entre informação e conhecimento quando eu ensino. Enquanto informação é a absorção de dados, conhecimento é a aplicação apropriada da informação recebida. Em outras palavras, alguém com conhecimento tem tanto a teoria quanto a boa prática, enquanto alguém informado somente a teoria.
Não tenho dúvida que a Palavra de Deus, o Evangelho, é capaz de transformar vidas a ponto de restabelecer a comunhão com Deus (cf. Rm 1.16). No entanto, que tipo de relação alguém deve ter com a Bíblia para que ela produza o que promete produzir? Numa pergunta prática, por exemplo, será que um erudito das Escrituras necessariamente desfruta das bênçãos de sua informação?[1]
Conheço algumas pessoas que dizem serem conhecedoras da Bíblia, mas, na verdade, são somente informadas a seu respeito. Tais pessoas, ainda que conheçam com alguma profundidade as doutrinas divinas, eles não possuem o que eu chamaria de verdadeira comunhão ou intimidade relacional com o Criador dessas doutrinas. Essa falta “subverte a identidade do Cristão e nosso entendimento do presente trabalho de Deus. Essa lacuna mina todo e cada relacionamento de nossas vidas, cada decisão que tomamos e cada tentativa de ministrar aos outros.”[2]
Note as palavras do apóstolo Pedro:
Seu divino poder nos deu todas as coisas de que necessitamos para a vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude. Por intermédio destas ele nos deu as suas grandiosas e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo, causada pela cobiça. Por isso mesmo, empenhem-se para acrescentar à sua fé a virtude; à virtude o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio; ao domínio próprio a perseverança; à perseverança a piedade; à piedade a fraternidade; e à fraternidade o amor. Porque, se essas qualidades existirem e estiverem crescendo em suas vidas, elas impedirão que vocês, no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, sejam inoperantes e improdutivos. Todavia, se alguém não as tem, está cego, só vê o que está perto, esquecendo-se da purificação dos seus antigos pecados. (2Pe 1.3-9 NVI)
Segundo ensina o apóstolo, é possível que crentes no Senhor Jesus sejam inoperantes e improdutivos. Tais pessoas, afirma Pedro, se esqueceram da purificação de seus antigos pecados. Lane and Tripp (How People Change) advogam que este é o resultado da não compreensão do Evangelho para o agora (a lacuna entre o passado e o futuro). Crentes reconhecem e sabem que seus pecados foram por Jesus perdoados quando se tornaram uma nova criatura. Também sabem da eterna presença nos céus, ao lado do Criador. Mas o que sabem sobre o Evangelho para hoje?
Assim, Lane e Tripp sugerem três tipos de cegueira que causam falha na compreensão do Evangelho para hoje:
1- Cegueira da identidade.
Este tipo aparece de duas formas. A primeira, quando crentes subestimam o poder do pecado. Eles não conseguem perceber a dimensão da guerra espiritual e quão tendenciosos são para se afastarem de Deus. A segunda forma aparece na má compreensão que, em Cristo, nós temos uma nova identidade. Não é o que fazemos ou não fazemos, tampouco o que sentimos ou não sentimos que dita quem nós somos. Em Cristo nós somos uma nova criatura (2Co 5.17).
2. Cegueira sobre a provisão de Deus.
Em Cristo nós temos acesso a todas as coisas de que necessitamos para a vida e para a piedade. É interessante notar que a adição da segunda palavra nos impede de pensarmos que Pedro estava falando de uma vida futura. A piedade é para hoje, aqui e agora!
Pedro diz que, sem a boa compreensão dessa provisão de Deus, ou seja, dEle mesmo, nenhum cristão pode viver apropriadamente, segundo a Sua vontade.
3. Cegueira a respeito do processo de Deus.
Deus possui um processo para que Sua vontade seja feita. Se não entendermos esse processo, corremos o risco de achar que tudo acaba no dia da conversão, esperando sentado pelo resultado eterno.
Seu processo envolve compreendermos e aplicarmos Sua vontade em nosso trabalho, na escola, na família, na vizinhança, em todos os lugares. Ao mesmo tempo, em todas as circunstâncias. Deus com certeza pode nos aprimorar por meio de situações nas quais seremos tentados a fazer a vontade da carne; tudo para que possamos crescer e nos assemelharmos mais com nosso Salvador, o modelo mor, Jesus Cristo.
A lacuna nunca está vazia. Se o Evangelho não é o conteúdo que preenche a lacuna, alguma outra coisa a preenche. Note estes exemplos:
- Legalismo: pensar que uma lista de tarefas concluídas lhe dá o direito de estar próximo de Deus. “Legalismo ignora a profundidade da nossa inabilidade de ganhar qualquer favor de Deus.” [3]
- Misticismo: pensar que experiências espirituais são o alvo da maturidade cristã. “O perigo do misticismo é que ele pode se tornar mais uma preocupação com a experiência do que uma preocupação com Cristo.”[4]
- Ativismo: pensar que participar dos eventos pela boa causa nos define como cristãos. Ativistas têm mais alegria por defender o certo do que alegria em se relacionar com Cristo, aquele que definiu o que é certo e errado.
- Biblicismo: Pensar que informação sobre teologia, história e a Bíblia são suficientes para viver o Evangelho.
- “Pscicologismo:” Pensar que Cristo é mais um terapeuta do que um Salvador. Pensar que nossas necessidades não atendidas são mais valiosas que a redenção oferecida por Cristo.
- “Socialismo:” Pensar que o convívio com os irmãos é o fundamento da verdade bíblica e relacionamento com Cristo.
Tais possibilidades de preenchimento da lacuna são bastante atrativas. Paulo, quando escreve para a igreja de Corinto usa a palavra pretensão para qualificar os argumentos que se levantavam contra Deus: Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo. (2Co 10.5)
O que é algo pretensioso? Basicamente é uma mentira com raízes na verdade. Por exemplo, se eu dissesse que amanhã eu vou abrir minhas asas e voar, é pouco provável que alguém acredite. Não há nada de pretensioso nisso. Por outro lado, se eu dissesse que amanhã eu vou calçar meu tênis e pegar minha bola de basquete para jogar, quando, de fato, eu não vou, posso enganar muita gente; isso é pretensioso. Paul Tripp sabiamente coloca em palavras a intensidade do perigo das mentiras pretensiosas:
“Talvez a pós-modernidade e a imoralidade sexual não sejam as maiores ameaças à igreja de Cristo em nossos dias. Talvez sejam ainda mais perigosas as mentiras que fluem das mudanças sutis em como entendemos o Evangelho. Nós não abandonamos o Evangelho, mas talvez o tenhamos redefinido de tal forma que agora ele é fundamentalmente diferente de como se apresenta nas Escrituras.” – Paul Tripp
Todos estes “ismos” supracitados são atrativos porque apresentam uma parte importante do Evangelho. O problema acontece quando reduzimos o Evangelho para cada um deste pontos, reduzindo a graça de Cristo crendo que, de alguma forma, nós podemos fazer algo que nos coloca numa posição favorável com Ele.
É meu desejo que minhas informações a respeito da Palavra se convertam em conhecimento e eu nunca perca de vista as cinco perspectivas que Tripp e Lane apresentam em seu livro How People Change:
- A gravidade e extensão do meu pecado;
- A centralidade do meu coração;
- O presente benefício de Cristo;
- O chamado de Deus para mudança e crescimento;
- Um estilo de vida de arrependimento e fé.
Tais perspectivas me dão o foco para eu nunca negligenciar a pregação do Evangelho para o aqui e agora (presente).
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[1] Não escrevi conhecimento porque quero, nesse artigo, ser didático na diferenciação entre informação e conhecimento, ainda que na língua portuguesa tais palavras podem, num dado contexto, serem sinônimas. [2] LANE, Timothy S., TRIPP, Paul David. How People Change. New Growth Press, 2006, p.16 – Google Play Version. [3] Idem, p.18. [4] Idem, p.19.Tags: 2Coríntios 2Pedro Cegueira Livro Paul Tripp
