Há palavras que ferem como espada, mas a língua dos sábios traz a cura. (Provérbios 12.18 NVI)
Não foram poucas as vezes que eu ouvi: “vai passar, meu filho!” Sim, ouvi de pais, tios, amigos, garçons, motoristas, professores, etc. Ouvi de muita gente, com muito ou pouco dinheiro, alta ou baixa, magra ou gorda. Depois de ter me tornado pai, continuei a ouvi-la de diferentes pessoas, inclusive em minha cabeça.
“Vai passar, meu filho” está tão arraigado na cultura brasileira que parece ser uma reação instintiva para consolar a criança. O caso mais recente que eu testemunhei foi de uma menina que tropeçou na sua própria mochila escolar. Depois de olhar para lá e para cá, calculando o tamanho da vergonha, a mão lhe diz: “não se preocupe, filhinha, ‘vai passar.'”
Imagine seu filho pedalando sua tão sonhada bicicleta, aquela que ele ganhou no natal. Faz pouco tempo que ele tirou as rodinhas auxiliares. O medo do novo desafio é real e a ajuda do papai ou da mamãe ainda necessária. Por causa de um pequeno descuido, “cataploft!” Como geralmente é, demora cerca de três a cinco segundos para ele notar a dor do tombo e calcular a vergonha. Então chega o pai, porque a mãe acabou de gritar para ele ver o que aconteceu, cheio de boa motivação e diz: “vai passar, meu filho!” De onde vem tanta “sabedoria?” (Ironia minha.)
As palavras dos sábios espalham conhecimento;
mas o corações dos tolos não é assim. (Pv 15.7)
Pense agora nas seguintes situações:
- Você martela seu dedo com gosto;
- Você quebra o tornozelo no sábado do futebol;
- Você toma um choque arrumando o interruptor;
- Você não percebe que pisou no formigueiro e os pequeninos insetos revidam a destruição que você causou em seu lar;
- Você queima seu dedo na churrasqueira;
- Ao ajudar seu amigo com o carro quebrado, você prende seu dedo na porta do passageiro;
Já pensou? Agora imagine seu cônjuge (escolhi ele de propósito) lhe dizendo: “vai passar, meu maridinho (ou esposinha).” Como você se sentiria? O negócio fica ainda pior com situações como:
- Perda de emprego. “Ah, vai passar, você acha outro logo!”
- Perda do carro. “Ah, vai passar, você nem gostava desse.”
- Perda do pai ou da mãe. “Ah, vai passar, ele (ou ela) já estava velho.”
- Perda do(a) filho(a). Ah, vai passar, em breve vocês têm outro.”[1]
Por mais que não seja exatamente assim que as pessoas falam nessas situações[2], o “vai passar” ecoa em várias frases pouco ou nada sábias.
Quem é cuidadoso no que fala
evita muito sofrimento (Pv 21.23)
É verdade que “vai passar,” mesmo que a dor dure até a morte. Fato é que, ninguém, e eu enfatizo, ninguém quer ouvir “vai passar” nessas situações. Da mesma forma, seu filho não quer ouvir “vai passar” quando cai da bicicleta ou tropeça com a mochila escolar.[3]
O sábio de coração é considerado prudente;
quem fala com equilíbrio promove a instrução. (Pv 16.21)
No entanto, se você já fez isso, não se preocupe, “vai passar.”
Quem tem conhecimento é comedido no falar, e quem tem entendimento é de espírito sereno. (Pv 17.27)
[1] Eu perdi uma filha. Ouvi essa frase algumas vezes.
[2] Em geral não é assim, mas alguns conseguem “consolar” (ironia) exatamente assim.
[3] Obviamente que existe um tom de brincadeira saudável no relacionamento entre pais e filhos. Frases como “quando casar sara” podem ser parte desse brincadeira, mas deve sempre haver discernimento.
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