Por Isaque Sicsú
Admito. Sou um teólogo que gosta bastante de definições, categorias e classes – aquilo que chamamos de taxonomia. Perdoe-me o neologismo, mas sou quase um “taxonomólatra”: gosto de ter meu pensamento teológico bem definido e bem classificado. Prefiro me referir ao “arianismo” do que falar de “um movimento teológico que afirma que Cristo não era plenamente divino, mas apenas a primeira criação do Pai”. É mais simples, mais rápido e economiza espaço.
Nem tudo, porém, é preto no branco quando categorizamos o pensamento teológico. Muitas vezes, as definições acabam umas sobrepondo-se às outras. Por exemplo, quando falamos da doutrina da circunsessão, não necessariamente falamos da perichoresis, apesar de geralmente serem conceitos tratados como sinônimos.
Outro exemplo desse entrelaçamento categórico é a atribuição do termo “reformado” ao teólogo calvinista e vice-versa. Graças à explosão dos ministérios de teólogos como John Piper, Mark Driscoll, Mark Denver, D.A. Carson e a turma do Gospel Coalition nos EUA, bem como Augustus Nicodemus, Franklin Ferreira e a turma da Editora Fiel no Brasil, convencionou-se classificar como “reformado” aquele que afirma uma soteriologia calvinista. Hoje, portanto, “reformado” e “calvinista” tornaram-se sinônimos.
Essa equiparação categórica produz bons e maus frutos. Bons porque localiza historicamente o calvinismo como um sistema teológico dissidente do movimento da Reforma Protestante no século XVI. Além disso, em dias em que todo mundo é calvinista – ou, como prefiro nominar, cover teológico do John Piper –, essa equiparação mostra que o calvinismo em questão é aquele proveniente da Reforma, e não o amyraldianismo (popularizado por Richard Baxter no século XVII) ou os calvinismos decorrentes de diversas revisões ao longo do tempo. Dessa forma, reformado é o calvinista que afirma o calvinismo, por assim dizer, “puro”, de cinco pontos (TULIP), proveniente da Reforma.
Por outro lado, a mesma equiparação pode trazer um problema sério: a perda dos elementos distintivos da teologia reformada. Uma vez que todo calvinista é tratado como reformado, corremos o risco de assim classificar teólogos de outras tradições simplesmente porque afirmam uma soteriologia calvinista.
Ao observarmos a teologia dos reformadores, percebemos que não estamos lidando com uma definição soteriológica somente. A teologia reformada é muito mais um pacote teológico que abrange as áreas da hermenêutica, eclesiologia e escatologia. Um “reformado”, no sentido clássico da definição, é aquele que não somente afirma o calvinismo, mas também abraça o aliancismo como método hermenêutico; o pós ou amilenismo como sistema escatológico; e o presbiterianismo ou episcopalismo como modelo eclesiológico. O quadro resume:
Reformado Clássico | Novo Reformado |
Soteriologia Calvinista | Soteriologia Calvinista |
Hermenêutica Aliancista | Hermenêutica Diversa |
Escatologia Pós ou Amilenista | Escatologia Diversa |
Eclesiologia Prebisteriana ou Episcopal | Eclesiologia Diversa |
Segundo essa nova definição de reformado, todos os calvinistas dispensacionalistas, calvinistas liberais, calvinistas pentecostais, calvinistas católicos (sim! existe o calvinismo católico!), ou seja, qualquer calvinista de qualquer tradição é “reformado”.
Essa generalização não é saudável, pois descaracteriza a teologia da Reforma e dá margem para muita confusão. Assim, em nome do bom entendimento teológico (e alimentando meu vício por taxonomias), prefiro chamar de “reformado” somente o reformado clássico, que abraça todo o pacote teológico da Reforma Protestante. E os tais “novos reformados”, chamo-os apenas calvinistas, pois, teologicamente falando, é isso que de fato são.
Fonte: isaquesicsu.com
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