Por Paul Tripp
>> Série Relacionamentos
Nós fomos surpreendidos. Simplesmente não conseguimos prever. Achamos que as coisas estavam indo bem. Pensamos que havíamos construído um bom relacionamento. Pensamos que fôssemos bons vizinhos. Morávamos em uma casa geminada, e a proprietária do terreno morava na casa ao lado, com sua filha adulta. Por razões que não conseguíamos entender, a filha começou a ficar enlouquecida conosco. Ela gritava e praguejava contra nossos filhos. Ligava o rádio em um volume muito alto, bem tarde da noite, acordando nossas crianças. Ela fazia de tudo para tornar nossas vidas insuportáveis. Não compreendíamos o que estava acontecendo e tudo que tentávamos fazer a respeito deixava as coisas ainda piores.
As coisas ficaram piores em um Quatro de Julho. Meses antes, ela havia nos emprestado um refrigerador que não estava usando. Os pais da minha esposa vieram nos visitar e, por isso, compramos mais comida do que estávamos acostumados. Em uma sexta-feira quente, a filha da dona do terreno nos ligou dizendo que queria o refrigerador de volta. Perguntamos a ela por que o pedido havia sido tão repentino e ela apenas disse que queria o eletrodoméstico na garagem dela até às cinco da tarde. Eu não conseguia acreditar! O que faríamos com toda aquela comida extra que havíamos comprado? Por que ela estava fazendo aquilo conosco?
Fiquei irritado e permaneci calado a tarde toda. Eu estava cansado de tanta tensão. Estava irritado com a maldade dela. Ensaiei várias e várias vezes o que diria a ela. Minha esposa estava fazendo bolinhos de canela quando entrei na cozinha e sugeriu que eu mandasse um prato daqueles doces fresquinhos à filha da dona do terreno. Pensei “ah, claro, é exatamente o que eu estava pensando em fazer!” Mas minha esposa não havia terminado. Ela sugeriu também que eu escrevesse um bilhete dizendo àquela mulher quanto nós nos importávamos com ela e o quanto prezávamos por um bom relacionamento. Acho que foi o bilhete mais difícil que tive de escrever em toda a minha vida.
Após mais ou menos quarenta e cinco minutos, eu estava à porta da frente da casa da dona do terreno, orando por um cachorro (alguns vão entender isso depois). Bati à porta e a mãe veio atender. Dei a ela os bolinhos de canela e ela me disse, então, que, depois do modo como a filha dela havia nos tratado, eu era algum tipo de maluco em ter uma reação como aquela. A partir daquela tarde, nós começamos a pensar em maneiras de fazer o bem de qualquer maneira, apesar da maneira má como estávamos sendo tratados.
Durante meses, nós nos comprometemos a amar aquela mulher, mas apesar dos nossos nobres esforços, nada parecia ter mudado. Então, em uma tarde de primavera, alguém bateu à nossa porta. No momento em que vi a filha da nossa vizinha, pensei “e agora, o que falta acontecer?”. Quando abri a porta e notei que ela parecia chateada, fiquei ainda mais preocupado com o que vinha a seguir. Ela perguntou se podia entrar e falar conosco. Eu e minha esposa nos sentamos com ela e ouvimos as coisas incríveis que ela nos disse. “Vocês sabem bem que nos últimos meses tenho sido uma pessoa muito nervosa. Não tem sido apenas com vocês. Tenho estado brava com todos em minha vida. Destruí todos os meus relacionamentos. Afastei todas as pessoas que faziam parte da minha vida. As duas únicas pessoas nesse mundo que eu tenho certeza que me amam são você e sua esposa Luella. Estou aqui para pedir que vocês me perdoem, e que me ajudem. Eu quero possuir o que quer que faça vocês me tratarem assim.”
Qual a razão em contar essa história? Certamente não é para mostrar meu caráter! Eu tive muita dificuldade para fazer o que era certo todos os dias daqueles intermináveis meses. Não, o que essa história enfatiza é o fato de que, no caos dos nossos relacionamentos, há sempre algo maior acontecendo. Nossos relacionamentos nunca se tratam apenas de nós. Nunca se tratam apenas dos nossos planos, propósitos e da nossa felicidade. Eles não se tratam apenas das pessoas de quem queremos estar perto, ou das coisas que queremos receber desses relacionamentos. Há sempre algo maior acontecendo porque há um Deus que é soberano. Ele nos coloca exatamente onde quer e nunca erra o local! Em nossos relacionamentos, ele nos leva a lugares aos quais não queremos ir, para produzir em nós o que jamais obteríamos por conta própria.
Naqueles meses difíceis de relacionamento com a filha de nossa senhoria, Deus não estava trabalhando apenas para resgatá-la; ele estava trabalhando em mim. O relacionamento complicado não era resultado do abandono de Deus. Era um claro sinal do amor dele, por nós e por aquela mulher. Então, ao longo da sua vida e nos relacionamentos que você tem, há algo de que você precisa se lembrar. Você nunca vai entender por completo o que está acontecendo, e nunca fará ou dirá a coisa certa até que reconheça e aceite que, em cada relacionamento, há sempre algo maior acontecendo.
Original em PaulTripp.com
Tags: Paul Tripp Relacionamentos
