Baseado no artigo de Jude Blore, How to Help a Grieving Child [Como ajudar uma Criança em Luto].[1]
O ano de 2012 foi seguramente o mais difícil para mim e para minha esposa. Nina, nossa filha, pouco antes de completar um mês de vida,[2] faleceu em decorrência do seu complexo quadro genético; ela tinha síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13).[3] Apesar de conhecedores do seu quadro clínico e cientes que estatisticamente ela já havia superado seu tempo entre nós, sua partida nunca fora o nosso desejo. No meio de tantas lágrimas derramadas com amigos e familiares, havia um rostinho confuso e curioso. Enzo, nosso filho primogênito, assistia todo o nosso sofrimento, as nossas ações e orações. O que se passava em seu coração? Como ele sofria? O que podíamos fazer para ajudá-lo? Negligenciar os sentimentos do nosso filho não estava em nossa lista de afazeres, apesar do momento ser tentador para deixá-lo de escanteio.
Não há um dia neste mundo em que a morte não esteja presente, e ela aparece diante de adultos e de crianças. Indesejável em todas as culturas, a morte seguramente se apresentará a alguma criança, que nem sempre precisará de ajuda especializada ou específica para lidar com o luto. O nosso exemplo é somente um dos vários milhares que alguém pode conhecer em vida.
Creio que as pessoas as quais foram atraídas por este texto possuem o perfil de alguém que já refletiu sobre a existência do sofrimento num mundo que foi criado por Deus, desejam ajudar crianças, conhecem a Cristo e possuem uma disposição de aprendiz.[4] Por essa razão, considerarei tais questões como pré-requisito para esta leitura.
Quatro passos a considerar quando ajudar uma criança em luto
1- Conhecer as crianças
Como é para uma criança perder alguém tão próximo? Qual a diferença entre ela ter oito, doze ou dezesseis anos?
Um adulto possivelmente já aprendeu que dor é algo temporário, que o Senhor é fiel e não o deixará ou o abandonará, que há luz, etc. Porém, uma criança possivelmente ainda não sabe nada dessas coisas. Uma criança provavelmente não tem a habilidade de dar um passo para trás e olhar para os eventos do presente de uma perspectiva da eternidade. Uma criança possivelmente não tem os recursos para lidar com tanta dor e confusão. Uma criança pode precisar de ajuda para entender que o mundo não está desmoronando ou que, pelo menos, não é uma condição permanente![5]
Crianças geralmente exibem um destes três comportamentos após perderem alguém querido: elas se alteram, se recolhem ou se comportam como as responsáveis por suas famílias. Alterar-se ou recolher-se chama à atenção de pessoas que zelam por suas vidas. Todavia, se elas se comportarem como o mais novo responsável pela família, pessoas provavelmente farão mal juízo; acreditarão que elas estão bem sem realmente estarem prontas ou bem para isso.
Algum tempo mais tarde na vida, este castelo de cartas pode muito bem desmoronar com seu próprio peso, pois, apesar da aparência de maturidade, a criança tem tanto a substância da confiança quanto a autoconsciência ausentes. Essa criança precisa de alguém próximo e que lhe dê sua infância de volta, fortalecendo-a por dentro e por fora para alcançar a maturidade.[6]
Como não podia deixar de ser, as crianças falam do que os seus corações estão cheios. Numa situação de morte, elas comentam do seu jeito as suas preocupações presentes e futuras, além do como elas planejam suprir a perda:
- “Eu chego mais cedo em casa para pegar as cartas de correio, coisa que meu irmão fazia. Assim, meus pais não precisam pensar tanto nele.”
- “Eu não sou suficiente? Acho que se eu morresse meus pais não sentiriam tanta falta de mim.”
- “Quando chegará a minha vez de ir para o céu?”
- “É difícil decidir com quem se casar ou ter filhos. Pode ser que um dia eles desapareçam.”
- “É difícil pensar se um dia terei filhos. Veja o que meus pais estão passando agora!”
- “Eu não tenho mais com quem me divertir nas manhãs de Natal.”
Clique aqui para baixar uma tabela: “Linha do tempo e o luto da criança” – tabela informativa, não normativa. Os dados dela se encontram abaixo:
Primeira infância até dois anos de idade
• Sem o conceito de morte.
• Reage com as emoções dos outros.
• Reagirá com a separação daqueles que cuidam dela.
Reações
• Irritabilidade.
• Muitas lágrimas, vômito e regresso nos hábitos de higiene pessoal (vaso sanitário, por exemplo).
• A criança agarra (algo ou alguém).
• Manterá a rotina intacta. Ela não sabe contar o tempo, mas sabe que algo está terrivelmente errado.
• A criança é capaz de responder ao seu estresse. Tenha alguém para cuidar dela por um curto tempo, se possível.
Dos três aos cinco anos de idade
• Idade da descoberta – a criança usa todos os cinco sentidos.
• Sem pensamento abstrato. Elas lhe escutam, mas não conseguem interpretar a informação.
• Sem conceito de morte formado por ela mesma. Elas veem a morte em estágios (brincadeiras infantis).
• Crianças querem arrumar as coisas para as outras pessoas.
• Acreditam que a morte é reversível, como veem na TV, filmes e etc. Eles se envolvem num pensamento mágico.
• Eles acreditam que têm poder para matar.
• Não têm conceito do que é o cemitério.
• Sem conceito de choque. Talvez mostrem pouca preocupação.
• Elas podem se tornar emocionalmente feridas mais tarde.
Afirme o fato da morte. Nada de frases cativantes. O que elas precisam é de repetição.
Dos seis anos a dez anos de idade
• Elas sabem que podem morrer. Elas temem a morte.
• Elas podem conversar com bastante temor.
• Elas precisam de uma boa dose de encorajamento.
Dos dez anos aos treze anos de idade
• A morte é algo bastante pessoal. Elas têm uma perspectiva realística da morte.
• Existe uma curiosidade em relação aos aspectos biológicos da morte.
• Há uma ansiedade de separação. Crianças precisam de afeição, mas podem se sentir envergonhadas com isso.
• Rapazes em luto podem perder habilidades manuais. As notas escolares podem diminuir.
• Crianças precisam exprimir seus sentimentos para participar do funeral e ir embora. Eles procurarão por permissão.
• Talvez haja uma separação emocional daqueles que a criança ama, uma defesa e um mecanismo de autopreservação.
Fase da adolescência (teen years)
• Mais evidência de processos de pensamentos adultos.
• Você deve encorajar comunicação.
• Toques físicos são importantes, mas deve haver permissão.
• Você possivelmente precisará confrontá-lo com amor.
Pontos para manter em mente quando for lidar com crianças passando por luto
• Crianças não conseguem suportar a dor emocional por muito tempo.
• Nunca rejeite as emoções dela.
• Não diga para elas devem se sentir ou não se sentir.
• Permita que a criança lhe console.
• Seja paciente, pois elas talvez precisem lhe perguntar a mesma questão várias vezes.
• A morte não é contagiosa. Tenha certeza em diferenciar.
• Mantenha a ordem e a estabilidade na vida da criança.
• Lembre-se que a criança tende idolatrar a morte. Ajude-as gentilmente a recuperar o equilíbrio e a perspectiva.
Reação das crianças com a morte
• Proteção.
• Dor, desespero e desorganização.
• Esperança / reconciliação depende da idade, personalidade e o relacionamento com o falecido.
• Padrões estáveis para comer e dormir desmoronam e depois voltam ao “normal”.
• Crianças geralmente circulam entre entrar e sair do estado de luto.
• Crianças precisam saber que elas vão regozijar com a vida novamente.
• Crianças precisam saber que a vida delas nem sempre será desorganizada e os seus pensamentos obscurecidos.
• Deixe-lhes saber que elas não precisam ficar com vergonha de estar em luto.
• O luto pode revisitar – os feriados são mais difíceis.
(Atribuição: irmã Teresa McIntier e Deirdre Felton)
2- Conhecer o luto
Quando eu tinha dois anos de idade meus dois avôs faleceram. A minha memória de vida mais recente é com um deles. Ao crescer, também experimentei a morte de primos, de tios e amigos queridos. Ainda que todas essas experiências tenham sido amargas, nenhuma delas foi tão difícil quanto a morte da minha filha, da qual meu filho, com três anos, também vivenciou.
Nenhuma dessas experiências foi totalmente diferente uma da outra. Enquanto o processo de luto, ou seja, de “desapego de algo familiar para o apego de alguma outra coisa futura”[7] foi semelhante, a intensidade do desapego e do apego é que tornava a experiência mais ou menos dolorida.
As seguintes perguntas nos ajudam a melhor conhecer a gravidade do sofrimento no processo do luto:
O que foi perdido?
Um amigo, uma colega, um vizinho, um professor, um primo. Se foi o pai ou a mãe, deve-se considerar as várias características deste relacionamento: um provedor, um educador, um amigo, um protetor, etc.
O que tem de ser reinventado?
Reinventar foi uma das palavras usadas por uma aconselhada, referindo-se ao que ela agora fazia com os outros membros de sua família na ausência de um de seus filhos. Na falta dele os relacionamentos mudaram e o luto se tornou o “esforço para se chegar a um novo equilíbrio.”[8]
Quão informada é a criança sobre o sofrimento?
Evitar o sofrimento é como sair na chuva e tentar se desviar das gotas. É impossível estar na chuva e não se molhar, como é impossível estar vivo e não sofrer. O sofrimento é indesejável para todos, mas quando passamos por ele com a perspectiva bíblica, saímos mais fortes e prontos para novos desafios.
Atualmente, há outros desafios na vida da criança?
A dor da perda é grande, porém, ela é ainda maior quando a criança não está bem na escola, não tem amigos, é zombada por outros, entre outras questões. Ao adicionar fatores estressantes ao luto, o problema obviamente aumenta.
Como estão os pais da criança?
Se a criança perdeu um dos pais, possivelmente sua mãe ou seu pai também perdeu alguém. Quão desnorteados eles estão?
A criança tem outras pessoas em quem ela confia para lhe dar direção?
Quem são as pessoas mais próximas da criança? Em quem ela confia?
Como a criança está holisticamente?
- Mentalmente: ela consegue se concentrar? Como ela vai nos estudos escolares?
- Fisicamente: há presença de dor ou fadiga? Como está o hábito alimentar?
- Emocionalmente: há fragilidade? Instabilidade ou inconstância?
- Socialmente: há solidão? Ela prefere se isolar?
- Espiritualmente: há dúvidas existenciais? Sobre Deus e a Sua Palavra?
Em função da condição genética da nossa filha e o conhecimento que tínhamos sobre seu problema, apesar das nossas orações e ações para que ela permanecesse conosco, nossa expectativa era o reflexo cuidadoso do nosso estudo da Palavra de Deus e o que as ciências tinham a nos dizer: que Nina não viveria por muito tempo. Por essa razão, enquanto preparávamos os nossos corações, também ensinávamos o nosso filho sobre a morte e a situação de sua irmã. Nosso luto começou na vigésima segunda semana da gestação de Nina.
Compartilhamos com o nosso primogênito, Enzo, a nossa dor, testemunhamos da nossa esperança por causa e por meio de Cristo e abordamos com ele todos os detalhes que julgávamos serem necessários de acordo com a sua maturidade e as necessidades que ele apresentava. No dia de seu aniversário, além de gratidão a Deus por sua vida, celebrávamos ter deixado o hospital para ficar com Nina em casa – uma resposta de oração.
Depois de alguns meses da morte e do funeral da Nina, fomos diversas vezes surpreendidos pelo quanto o nosso filho ainda se lembrava. Para o embaraço de diversos vendedores lojistas, quando o Enzo era questionado sobre mais irmãos, ele dizia: “minha irmã está no céu!”
De fato, Enzo nunca se esqueceu que possui uma irmã que já faleceu. Quando comentamos sobre ela, Enzo logo se entristece, para então ser relembrado da alegria que temos em um Deus que “age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam” (Rm 8:28). Recentemente, ao compartilharmos a história de Paul Brand com ele, concluímos que o médico missionário usava seu talento ajudando pessoas portadoras de hanseníase (lepra), as quais precisavam de cura, como a Nina. Em meio às suas lágrimas, lembramos ele que Nina já foi totalmente curada e um dia nos encontraremos com ela. Lembramos ele também que todos nós, todos os pecadores, também precisam de cura: “Mas Ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades. O castigo que nos trouxe paz estava sobre Ele, e pelas Suas feridas fomos curados” (Is 53:5). “Não são os que tem saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores” (Mc 2.17), disse Jesus.
Quanto mais nova a criança, menor o tempo em que ela fica profundamente entristecida. Ela se entristece, vai brincar e depois se entristece novamente. Crianças enlutadas possuem momentos de tristezas ao longo da sua rotina. A repetição ajuda a criança a aceitar e compreender, na sua maturidade, a tragédia.
Com o tempo e uma nova perspectiva sobre a vida, as crianças revisitam suas perdas. Por essa razão,
duas coisas são importantes ao ajudar crianças em luto: Primeiro, a tarefa não está terminada até que a criança chegue à idade adulta. Segundo, tudo o que você diz agora é uma peça para a construção de uma compreensão mais madura no futuro. Por essa razão, é muito importante falar a verdade desde o início. À medida que a criança amadurece em entendimento, ela revisitará suas emoções de luto também. Isso não é um luto inacabado ou atrasado; é o normal.[9]
Depois da Nina, minha esposa e eu tivemos mais uma filha, a Mila. Ainda que Nina não esteja mais presente entre nós, ela ainda é contada como parte da nossa família: “quantos filhos vocês têm?” “Três,” respondemos, “mas um deles já com o Senhor.” Por que fazemos isso? Em primeiro lugar porque esta é a resposta mais precisa. Em segundo, porque omitir a Nina como parte da nossa família pode ocasionar efeitos indesejáveis na compreensão do real significado de família para os nossos filhos presentes e aos nossos próximos. Enzo e Mila continuarão vistos como nossos filhos a despeito de estarem entre nós ou no céu. Desejamos e oramos para que eles nunca se esqueçam que o Pai celestial também tem todos os que creem em Cristo como Seus filhos, estejam eles aqui ou lá.
3- Conhecer a Cristo
O que eu posso saber de Cristo e com Cristo que poderá ajudar uma criança em seu sofrimento?
Jesus zela pelas crianças
Ele curou algumas e investiu tempo para estar elas, inclusive para dizer: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mt 19:14).
Jesus sempre diz a verdade
“Ele não cometeu pecado algum, e nenhum engano foi encontrado em sua boca” (1Pe 2:22). Ao contrário do que muitos adultos acreditam, crianças também percebem quando há alguma coisa errada. Não tente enganá-las, diga sempre a verdade.
Jesus chorou
A divindade de Jesus não O impossibilitou de chorar. Não o impossibilitou de se emocionar e expressar Seu cuidado pelo homem pecador. Jesus se importa com o sofrimento dos pequenos e oferece restauração.
Jesus nos consola e conforta
A presença de Jesus, o Emanuel (Mt 1.23), é uma das promessas de Deus que nos assegura que nada sairá de Seu controle, que Ele “age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam” (Rm 8.28). Nada será capaz de separar o amor de Deus pelos Seus (Rm 8.38,39). “Jesus é o mesmo, ontem, hoje e para sempre” (Hb 13.8). Tanto quanto como adultos, precisamos mostrar às crianças o convite de Jesus: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 12.28-30).
Não há razão para se acreditar que o luto é invenção do Diabo ou fraqueza da carne. As escrituras apresentam Deus profundamente entristecido, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Jesus, Deus encarnado (Jo 1.14), diversas vezes demonstra tristeza e sofrimento, inclusive no contexto onde Lázaro está morto e o efeito do pecado, da morte e do reino de Satanás são claramente observados. Homens piedosos demonstraram profunda tristeza (Sl 6, 31; At 8.2). Crentes também ficam em luto!
Em Cristo somos convidados a zelar pelo abatido: “Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’. Então os justos lhe responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?’ O Rei responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram’” (Mateus 25:35-40).
Como eu posso ajudar?
Precisamos aplica o princípio de educação apresentada em Deuteronômio 6: estar presente, se relacionar enquanto se ensina. “O luto não termina com uma lição, uma palestra ou uma consulta. (…) O luto acontece ao longo de um período de tempo e a ajuda também deve ser um processo ao longo deste tempo. O luto não acontece com hora marcada.”[10]
Uma palestrante a quem eu respeito muito disse: “a cura sempre está nos relacionamentos.” Ela fez essa observação depois de muitos anos trabalhando com crianças enlutadas de todas as idades. Ela não tem uma profissão de fé, mas o que ela observou é o que nosso Senhor sempre ofereceu. Ele ofereceu-se a Si mesmo a nós e prometeu nunca nos deixar ou nos abandonar. Ele está perto. Você pode ter a oportunidade de incorporar esta presença na vida de uma criança em sofrimento.[11]
Aqueles que piedosamente se disponibilizam para ajudar crianças em luto precisam se empenhar para corporificar as palavras bíblicas a fim de que os pequenos, ainda que não leiam, compreendam as orientações do Pai celestial. Precisamos criar ambientes onde a criança se sinta tranquila para falar sobre dores, medos, esperança e cura. Uma dica é mostrar como a paz e o sofrimento podem existir ao mesmo tempo.[12] A busca pelo equilíbrio destes dois lados deve ser um dos nossos alvos.
Um dos maiores medos da criança pode ser se esquecer daquele que faleceu. Uma de suas necessidades é firmar o falecido em sua memória. Compartilhe e incentive outros, nesta fase inicial do luto da criança, a falar sobre suas experiências acerca do falecido em momentos oportunos. O processo de solidificação da memória se dará repetindo essas histórias, seja mentalmente ou as contando.
Seja o amigo que escuta
O princípio de Tiago 1.19 também é muito importante: “Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para se irar.” Não responda antes de ouvir diligentemente a criança (Pv 18.13). Escutar atentamente não é um exercício passivo, mas ativo e difícil. Você diversas vezes se sentirá confuso e duvidará se deve ou não comentar algo. Mostre à criança que você está atento e quer entendê-la. Evite interrompê-la e nunca a proíba de falar. Deixe ela se expressar como consegue, mesmo que as palavras sejam inapropriadas, confusas ou lhe machuque. As orientações, as explicações e os cuidados devem ser apresentados depois de muito escutar, num momento oportuno.
Lembre-se que escutar não é algo que fazemos somente com os ouvidos. Nossas expressões faciais, nossas posições corporais e até interjeições vocais evidenciam nossa simpatia pelos anseios e sofrimento da criança. Compartilhe com a criança a sua tristeza e o seu sofrimento, diga a ela que você também não se sente bem com isso – a morte nunca foi o desejo de Deus.
Responda às perguntas
Crianças podem fazer perguntas difíceis e provocadoras. Entenda que o próprio bem-estar não é o foco de um ajudante. Esteja preparado o quanto possível for para receber as mais diferentes perguntas. A criança talvez lhe pergunte algo sobre o cadáver. Ela talvez lhe pergunte a razão de enterrarmos os mortos ou qual a diferença entre enterrar e cremar. Ela talvez lhe pergunte sobre a ida da pessoa para o céu ou para o inferno. Há perguntas que você não sabe a resposta ou ela não existe. Em humildade e sinceridade, diga que você não sabe todas as respostas, ao mesmo tempo que conhece algumas promessas de Deus que são maravilhosas e todos deveriam sabê-las.
Novas perguntas surgirão à medida que a sua participação na vida da criança aumenta. Não é difícil crianças, ao perceberem o sofrimento de seus pais (ou um deles), evitarem perguntar qualquer coisa. Nestes casos, você se torna uma peça ainda mais importante de ajuda, inclusive para responder questões cotidianas, como sobre o transporte escolar, a aula de inglês e o leite que acabou e não há quem faça novas compras.
Oferecer ajuda não é uma promessa feita para o ar: “pode deixar que eu ajudo!” ou “conta comigo!” ou “basta me ligar!” Não! Se você não tem disponibilidade, por exemplo, é preferível que você não diga nada, do que frustrar aqueles que estão fragilizados e carentes de verdadeira ajuda. Querer ajudar é entender e praticar o exemplo do bom samaritano (Lc 10.30-37).
Ao longo do seu caminhar com a criança enlutada, você notará uma montanha-russa de emoções – diversos e frequentes altos e baixos. A prática de atividades físicas é uma excelente forma para lidar com isso – agora também falo como um profissional da área de educação física. Ainda usando a mesma ilustração, não deixe a montanha-russa, com previsíveis altos e baixos se tornar numa avalanche, sem controle algum e sempre visando a destruição.
Por último e seguramente não menos importante, fale da esperança que nós temos no evangelho de Cristo. Ensine sobre a ressurreição dEle e como ela nos dá esperança para viver; e com alegria! Fale sobre o retorno de Cristo e como Ele transformará este mundo. Compartilhe exemplos pessoais sobre como essas verdades e promessas lhe ajudam a viver dia após dia.
4- Orar e deixe a cena
Ore sempre que possível com a criança. Ore para que esta amarga experiência seja um dos elementos para ela desenvolver um doce caráter. Ore para que o Rei Jesus e Seu reino sejam divulgados por meio desta dolorosa experiência. Ore para que esta criança cresça em dependência a Deus, desfrutando da Sua presente graça. Ensine os pequeninos a orarem como Jesus ensinou os Seus discípulos.
Lembre-se:
- Esteja sempre disposto a escutar as crianças.
- Compartilhe o porquê vale tanto a pena aprender de Jesus e seguir Sua palavra.
- Incorpore as Escrituras e apresente a esperança que todo crente em Jesus tem, por causa da graça e misericórdia dEle.
- Seja paciente e persistente. Não será uma pregação ou um evento que solucionará o luto de uma criança.
- Cada criança é uma diferente criança. Seja sábio e invista tempo em descobrir e aprender com as peculiaridades dela. Ao mesmo tempo, aconselhe segundo essas singularidades também.
- Diminua a frequência e o tempo de estar com a criança à medida que ela aprende a lidar melhor com a perda.
- Não se despeça como um médico, mas como um amigo. O médico, importante para nos ajudar, torna-se querido quando estamos doentes. O amigo, diferentemente, permanece querido o tempo todo, com o desejo ardente de que em breve acontecerá o reencontro.
Agora, pouco mais de quatro anos que Nina faleceu, Enzo já não precisa do mesmo cuidado como nos primeiros meses da ausência dela. Sim, a saudade ainda existe, mas a dor é administrável e menos frequente. Com fotos dela espalhadas por nossa casa, reagimos tanto individual como coletivamente à dor e à esperança que seus retratos positivamente estimulam. Fato é que, como família, buscaremos cuidar um do outro até que Deus permita, sem desconsiderarmos nossas diferentes maturidades e necessidades.
Sobretudo, “bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, que nos consola em todas as nossas tribulações, para que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos consolar os que estão passando por tribulações. Pois assim como os sofrimentos de Cristo transbordam sobre nós, também por meio de Cristo transborda a nossa consolação” (1Co 2.3-5).
[1] Judy Blore, “How to Help a Grieving Child,” ed. David A. Powlison, The Journal of Biblical Counseling, Number 2, Winter 1998 16 (1998).
[2] Forma popular para se referir à idade, pois eu acredito que todo ser humano começa sua vida na concepcção.
[3] Detalhes dessa história podem ser vistos em www.ninaminhafilha.com.
[4] Estes são os pressupostos de Jude Blore em seu artigo. Os quatro passos apreentados adiante também são dela.
[5] BLORE, p.25.
[6] Idem.
[7] Idem, p.26.
[8] Idem, p.27.
[9] Idem, p.27.
[10] Idem, p.29.
[11] idem.
[12] Paz e sofrimento podem não ser as melhores palavras. Alegria e tristeza podem ser boas palavras substitutas.
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