Completar dezoito anos de idade é algo especial para muitos adolescentes da nação verde e amarela. Se por um lado o número representa, em algum nível, privilégios, liberdade, permissão, autonomia e independência, do outro lado ele retrata mais deveres, seriedade e novas responsabilidades. Se por um lado tal idade permite que o jovem compre bebidas alcoólicas, participe de casas noturnas e dirija automóveis, por outro lado existe uma expectativa própria e também da sociedade que ele ingresse numa boa faculdade e aprenda bem um curso que possivelmente será o alicerce do seu futuro profissional e financeiro.
Neste exato momento de minha vida, dezoito anos também é uma idade especial. Ela é exatamente o tempo em que eu ingressei pela primeira vez numa universidade. Ainda me recordo vividamente de vários detalhes do meu ingresso na UNICAMP, no curso de Educação Física em 1999 aos dezessete anos – hoje eu tenho trinta e cinco.
É verdade que a minha história não é tão emocionante quanto a de Cícero Pereira que, formado em medicina em 2016, passou o curso vendendo latinhas, cuidando de carros e, muitas vezes, comendo do lixo para pagar os estudos.[1] A minha história tampouco é especial como a de Marcelo Carneval, um dos mais novos juízes do estado do Paraná em 2012, cuja história foi intitulada De menino pobre a juiz: uma trajetória de lutas pela realização de um sonho por um sítio eletrônico jornalístico de Dourados-MS.[2] Porém, para as considerações que tenho neste texto, a minha história tem algo distintivo: ela possui as lentes de alguém com a possibilidade de discernir as questões espiritualmente, com a mente de Cristo (1Co 2.13-16).
Tal perspectiva, inclusive, me impele a parafrasear as palavras do apóstolo Pedro: não existe experiência alguma, de homem algum, que possa ser mais importante que o testemunho bíblico. Pedro, mesmo sendo ele apóstolo, reconhecia que sua experiência no monte santo com a transfiguração de Jesus (Mt 17.1-9; Mc 9.2-8; Lc 9.28-36) não transcendia a firmeza da Palavra de Deus (2Pe 1.16-21). Toda experiência e todo testemunho humano precisam estar subordinados à verdade bíblica a fim de que sejam interpretados segundo as lentes de Deus e, por consequência, correspondam à cosmovisão divina.
Minha história, neste breve artigo, é somente uma ilustração para destacar a perspectiva de Deus sobre a vida universitária e, assim, possibilitar que atuais e futuros alunos avaliem suas próprias vidas na verdade de Deus para melhor se sucederem; não necessariamente como brilhantes alunos e exímios profissionais, mas principalmente como servos do Senhor dos senhores, Jesus Cristo.
O início de uma nova perspectiva
Ainda que apaixonado por atividades físicas e lazer, especialmente pelo esporte coletivo, Educação Física não era a opção dos meus sonhos. Bolsista num bom colégio privado da quarta série ao último ano do segundo grau, não aproveitei meu tempo escolar como deveria. Na hora do vestibular, tinha em mãos exatamente os frutos que eu havia plantado no primeiro e segundo graus e eles não eram suficientes para eu disputar a vaga que eu realmente desejava, em medicina. Cursinho para o ano seguinte não era uma opção, pois eu e minha família não tínhamos como pagá-lo.
Mediocridade acadêmica expressa com precisão meu tempo escolar até o vestibular. Por outro lado, ironicamente, mediocridade acadêmica é o termo exatamente oposto ao meu tempo enquanto estudante universitário – eu me formei como o segundo melhor colocado de toda a minha turma. O que aconteceu? O que mudou? Como me tornei versado tão rapidamente?
Foram nas férias entre minha graduação do segundo grau e o início de meu tempo como estudante universitário que eu fui adotado como filho Deus (Jo 1.12), nasci de novo (Jo 3.3) e fui selado com o Espírito Santo da promessa (Ef 1.13). Foi no início de 1999 que eu me tornei uma nova criatura (2Co 5.17) e minha habilidade de enxergar o mundo da perspectiva de Deus começou. De fato, minha mediocridade não era devida a uma incapacidade de assimilar o conteúdo escolar e tirar boas notas, mas de não perceber a importância e o real propósito de eu me dedicar ao ensino e retê-lo com qualidade. Ignorei tudo isso até eu começar meu curso de Educação Física, quando, na Palavra de Deus eu li: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo” (Cl 3.23,24 NVI).[3]
Antes de eu me tornar um cidadão celestial (Fp 3.20), ainda que eu fizesse algumas coisas em sinceridade de coração (ἁπλότης καρδίας), eu nunca as fazia “como para o Senhor;” eu não tinha a consciência de me ver como servo de Cristo – mesmo porque não era esta minha condição. Eu não tinha a finalidade de estudar e trabalhar para Ele. É interessante notar que o apóstolo Paulo escreveu este trecho aos escravos de Colossos prometendo que eles receberiam uma recompensa. Proveniente da pregação do Evangelho? Não. Derivado da evangelização dos perdidos? Não. Por causa de um belo louvor com agradáveis hinos e canções a Deus? Também não. Eles seriam recompensados caso obedecessem e servissem fielmente aos seus senhores terrenos (ênfases minhas).
Minha conversão me proporcionou começar a enxergar a minha vida tal como ela deve ser – “quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Definições e significados se transformam quando passamos da condição de inimigos de Deus (Rm 5.10) para filhos de Deus (1Jo 3.1). Antes, eu simplesmente não conseguia entender (1Co 1.20-25). Agora, reconciliado com Deus por meio da morte de Jesus Cristo, a minha natural mediocridade passou a ser transformada num exercício diário de empenho e dedicação como fruto do Deus vivo em mim; estará totalmente transformada com a glorificação (Rm 8.30).
Como assim uma mudança de perspectiva?
Na passagem conhecida como “Jesus e o jovem rico” (Lc 18.18-30; Mt 19.16-30; Mc 10.17-31), depois do diálogo com um homem importante (ἄρχων – Lc 18.18), Jesus conversa com os discípulos e fala sobre uma nova perspectiva depois da pergunta de Pedro, um ótimo exemplo:
“Jesus olhou ao redor e disse aos seus discípulos: ‘Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus!’ Os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Mas Jesus repetiu: ‘Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus’. Os discípulos ficaram perplexos, e perguntavam uns aos outros: ‘Neste caso, quem pode ser salvo?’ Jesus olhou para eles e respondeu: ‘Para o homem isso é impossível, mas não para Deus; todas as coisas são possíveis para Deus’. Então Pedro começou a dizer-lhe: ‘Nós deixamos tudo para seguir-te’. Respondeu Jesus: ‘Digo-lhes a verdade: Ninguém que tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, ou campos, por causa de mim e do evangelho, deixará de receber cem vezes mais já no tempo presente casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, e com eles perseguição; e, na era futura, a vida eterna. Contudo, muitos primeiros serão últimos, e os últimos serão primeiros” (Mc 18.23-31 – ênfase minha).
Com nossos filhos crescendo, minha esposa e eu tentamos contar mais histórias biográficas de missionários para eles. Além de nos encorajar e nos ajudar a perceber nossos próprios pecados, especialmente os de omissão, tais biografias têm algo extraordinário: missionários não consideram suas ações altruístas como sacrifício. Eu consigo, inclusive, imaginar eles dizendo: “eu seria tolo se não deixasse tudo o que eu tenho para seguir Jesus. Eu seria doido se não quisesse receber, na presente era, mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos. E a perseguição, também prometida por Jesus, nada mais é do que uma bem-aventurança; os perseguidos por causa da justiça receberão o Reino dos céus” (Mt 5.10). Missionários piedosos entendem a perspectiva de Deus e, por isso, o que muitas vezes chamamos de sacrifício, eles chamam de privilégio e recompensa. Conseguem ver como eles vivem a perspectiva bíblica, ou seja, de Deus?
Enquanto eu escrevo este artigo, os jogos olímpicos acontecem no Rio de Janeiro. John Piper, ao comentar sobre os jogos num sermão de dois de agosto de 1992 em 1Coríntios 9.23-27, mostra de um outro ângulo o significado de ter a perspectiva de Deus:
O que Paulo fez com os jogos [olímpicos] – o mesmo que ele (e Jesus) fizeram com todo o resto na vida – foi enxergar tudo em relação a Deus. Paulo estava tão saturado de Cristo e do evangelho que não conseguia ver mais nada sem pensar em como isso se relacionava com a eternidade e as grandes questões da vida cristã. Então ele emprestou a realidade dos jogos e ensinou os cristãos a transpô-los para um nível diferente e ver nos jogos uma realidade muito diferente da que todos veem. Efetivamente, ele disse: os jogos são jogados neste nível de realidade. Eles correm neste nível de realidade. Eles lutam neste nível de realidade. Eles treinam, praticam e se dedicam neste nível de realidade. Eles focam no ouro neste nível de realidade. Agora, eu quero que todos vejam num outro nível de realidade. Eu quero que vocês transponham os esforços temporários e os triunfos dos jogos olímpicos num outro nível de realidade – o nível da vida espiritual, eternidade e Deus. Quando vocês verem atletas correndo, veja um outro tipo de corrida. Quando vocês assistirem eles lutando, veja outro tipo de luta. Quando vocês observarem eles treinando e se aplicando, veja outro tipo de treinamento e devoção. Quando vocês os enxergar sorrindo com a medalha de outro ao redor do pescoço, veja um outro tipo de prêmio.[4]
C.S. Lewis chamou isso de transposição: “considerando as realidades criadas por Deus e a cultura em que nós humanos fazemos sob Deus, e vê-las por meio de uma realidade suprema.”[5] Creio que o exemplo de Piper é bastante útil. Ele nos convida a refletir como o apóstolo Paulo, neste caso, transpõe ou transcende a realidade deste mundo para uma realidade espiritual e eterna.
Cristãos são chamados assim, de cristãos, porque adotam, por meio da fé e no poder do Espírito Santo, uma conduta que deve refletir o Messias. Tal conduta não é somente as atitudes de um bom homem, mas os pensamentos e as emoções do único ser que, “como nós, passou por todo o tipo de tentação, porém, sem pecado” (Hb 4.15). Somos, em Jesus Cristo, convidados a avaliar a nossa vida e, de modo especial, a nossa morte de uma perspectiva celestial (Rm 8:36; Cl 3.2,3).
Durante a universidade, seus conceitos e paradigmas serão questionados. Por exemplo, o que é amor? Atração sexual, mesmo que seja pelo mesmo gênero? Sexo, mesmo que seja com quem eu quiser e quando eu quiser? A forma como você define amor lhe tornará complacente ou não com os seus desafios e tentações e, de maneira prática, revelará o que há em seu coração quando buscar alguém para namorar ou surgir alguém para ajudar – fará como o mundo pratica ou como Deus ensina, aprova e abençoa.
Tome por outro exemplo um conhecido símbolo cristão. Como você acredita que outros estudantes e professores enxergam a cruz cristã? A resposta será diversificada, mas não terá a perspectiva de Deus: escandalosa (Gl 5.11), algo pelo qual o cristão deveria se gloriar (Gl 6.14), símbolo de reconciliação (Ef 2.16), passível de ser negada (Fp 3.18), onde Cristo triunfou e cancelou o escrito de dívida (Cl 2.14-15). Você pretende carregar sua cruz e seguir a Cristo durante seu tempo universitário? Só assim para ser chamado de discípulo de Cristo (Lc 14.27). Essa lista não é exaustiva para compor toda a perspectiva de Deus sobre a cruz, porém, ela é suficiente para perceber o tom das palavras de Paulo: “A mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo” (1Co 1.18a).
Eu, depois de meu bacharel em Educação Física, minha licenciatura em Teologia, meu mestrado em Estudos Bíblicos com Ênfase na Família, faço agora meu segundo mestrado nos EUA, em Aconselhamento Bíblico. Tenho por certo que um dos maiores desafios que tenho como educador e aprendiz é compreender e então assimilar a perspectiva de Deus para viver segundo a Sua vontade.
Desafiando a perspectiva do mundo
Não amem o mundo nem o que nele há. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo que há no mundo – a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens – não provém do Pai, mas do mundo. O mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre (1Jo 2.15-17).
Eu havia uma dupla dificuldade numa turma de 50 estudantes. Eu era imaturo cronológica e espiritualmente. Eu era o mais novo da turma; muitos já trabalhavam e já haviam superado os percalços da adolescência. Eu também era recém-convertido e apesar de crente no Senhor Jesus, ainda não conhecia suficientemente a Sua palavra à altura dos desafios que eu tinha.
Por certo, o desconhecimento bíblico não é somente um problema àqueles que foram adotados há pouco tempo pelo Pai celestial. Paul Tripp relata que “muitos adolescentes oriundos de lares cristãos vão para a faculdade e abandonam a fé.” Tripp suspeita “que eles nunca tiveram uma fé viva. Eles tiveram a fé de seus pais, mas nunca a internalizaram para si mesmos. O verdadeiro coração dos adolescentes, disfarçado por anos pelo controle e pelas regras dos pais se revela nos anos da faculdade” [6] (ênfase minha).
O que torna a vida universitária algo tão sujeita a conversações e conselhos? Os desafios acadêmicos? As festas de fraternidades (repúblicas)? As inclinações políticas? Os professores ateus? Morar longe dos pais? Teorias como a da evolução? A liberdade sexual? Os novos e desconhecidos amigos? Ainda que todos estes temas e estas perguntas sejam pertinentes, creio que nenhuma delas é mais preocupante do que a questão do secularismo:
Um sistema que procura interpretar e ordenar a vida em princípios tomados exclusivamente a partir deste mundo, sem recorrer a crença em Deus e uma vida futura. (…) O termo é agora usado amplamente num sentido mais geral com a moderna tendência de ignorar, se não de negar, os princípios religiosos supernaturais na interpretação do mundo e da existência.[7]
Em termos bíblicos, secularismo é a antítese de passagens bíblicas como Hebreus 11.6a, “sem fé é impossível agradar a Deus” e Romanos 14:23c, “tudo que não provém da fé é pecado.” No secularismo não há espaço para qualquer ideia a respeito de Deus e, por isso, a fé funciona como o único e mais poderoso antídoto contra este veneno.
Note que a fé não é somente essencial para o novo nascimento (Jo 3.3; Ef 2.9), mas algo com o qual devemos continuamente viver (Cl 2.7), “pois quem dele [Deus] se aproxima precisa crer que Ele existe e que recompensa aqueles que o buscam” (Hb 11.6.b). Ninguém que deseja agradar e estar perto de Deus pode viver uma vida alheia à consciência de Sua constante presença (Mt 28:20), tampouco indiferente quanto a direção e os resultados das Suas promessas (2Pe 1.4). Paulo dava graças a Deus pelo “trabalho que resulta da fé” dos tessalonicenses (1Ts 1.3 – ênfase minha) e orientava Timóteo a não dar atenção a conversações que causavam controvérsias ao invés de “promover a obra de Deus, que é pela fé” (1Tm 1.4 – ênfase minha). A perspectiva do mundo é exatamente não possuir ou ignorar a relevância da fé. Onde a fé bíblica está presente, o secularismo está ausente. João diz que a fé é a vitória que venceu o mundo; somente a tem quem crê que Jesus é o Filho de Deus (1Jo 5.4,5).
John Piper, ao prefaciar o livro How to stay Christian in Seminary [Como Permanecer Cristão no Seminário], disse:
Todos sabem que estudar é algo natural; incrédulos podem fazê-lo. O que faz a diferença é, a saber, você poder dizer como Paulo: ‘Trabalhei mais do que todos eles; contudo, não eu, mas a graça de Deus comigo.’ Você de fato trabalha, mas se você está clamando por Ele, Deus trabalha. E o trabalho de Deus é crucial. Isto é o que faz toda a diferença.[8]
A maturidade da vida cristã gira em torno da fé em Deus. Uma pessoa piedosa é, por definição, alguém que vive em reverência, submissão e obediência a Deus (foco do AT), e que responde à revelação bíblica (foco do NT).[9] Em outras palavras, uma pessoa que conscientemente vive sua identidade conforme atribuída por Deus segundo a sua fé: antes de ser um estudante universitário, ela é um servo de Cristo.
O secularismo é também uma obra astuta de Satanás. Sua vitória no jardim do Éden foi enganar o primeiro casal para que enxergassem o mundo por meio de sua própria perspectiva (Gn 3.22), sem Deus, ao invés de continuar a ter fé na perspectiva divina: “E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom” (Gn 1.31).
Com efeito, o secularismo se desenvolve com eficiência desde o Iluminismo, ao ponto de nem percebermos quão presente ele está em nossa educação. A universidade é somente o pináculo deste processo. Pergunte-se: quando foi que você aprendeu ou ensinou Deus presente nas ciências? Na matemática? Na literatura? Em geografia? Em química e física? Em línguas estrangeiras? Ao contrário do que habitualmente somos ensinados, Deus está presente em todas as áreas do conhecimento, mas muitos de nós já estamos blindados e insensíveis para perscrutar essa ideia e verdade. Nunca fragmente sua vida devocional das suas atividades acadêmicas – este será um desafio durante a universidade.
Tenha a certeza da sua perspectiva
A universidade é um lugar muito querido para mim. Aprendi com excelência como ser um educador físico, fiz amizades que permanecem até hoje, e, especialmente, cresci na fé. O ambiente universitário é um dos meus favoritos. A diversidade de pessoas e a infinidade de perguntas são atrativos que me desafiam a investigar mais a ciência e buscar mais a Deus e a verdade.
Estou seguro que a minha opinião sobre universidades e a vida cristã seria outra, caso Deus não tivesse começado a transformar o meu coração e a minha perspectiva sobre tudo e todos. Por exemplo, quando penso no meu tempo como aluno da UNICAMP, acredito que minha gratidão a Jesus e a minha alegria em estudar numa excelente universidade pública sobrepujaram muitos desafios e sofrimentos da vida universitária, como provas extremamente difíceis – somente três alunos de cinquenta conseguiram nota acima da média na primeira avaliação em anatomia; professores arrogantes e prepotentes – fazem e falam de tudo para você perder sua autoestima; três meses de greve – é desestimulante ter aulas de reposição na época do Natal e do Ano Novo. Todavia, é ingenuidade pensar que os possíveis sofrimentos na universidade giram exclusivamente em torna dos desafios acadêmicos. Colegas de turma pedirão por cola, oferecerão drogas e tentarão lhe seduzir. Familiares adoecerão, carros quebrarão e ônibus atrasarão. Empregos cessarão, contas surgirão e ladrões estarão à espreita.
A universidade, ainda que muito querida, é um lugar cheia de pecadores, cristão e não cristãos, todos carentes da graça e da misericórdia de Deus. E onde há pecadores, há pecado; e onde há pecado, há sofrimento; e onde há sofrimento, deve haver uma oferta de fé: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida” (Jo 5.24).
Neste mundo, o sofrimento é algo mais certo do que a morte. Alguns não morrerão (1Co 15.51), mas todos experimentarão das calamidades de um mundo caído (Rm 8.22), cujo príncipe é como um leão que ruge e anda ao redor procurando a quem possa devorar (1Pe 5.8). Neste mundo, é impossível eu acordar de manhã, desejar que hoje eu não sofra e isso se concretizar. Todavia, é possível e piedoso que o cristão acorde com a disposição de sofrer como prova da sua filiação e herança (Rm 8.17), ciente que “os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles” (2Co 4.18). Quer se avaliar com respeito a perspectiva de Deus sobre o sofrimento? Dentre várias opções bíblicas, compare-se com este exímio imitador de Cristo: “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo em minha carne o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja (Cl 1.24 – ênfase minha).
A universidade é um local onde você seguramente sofrerá; mas por qual razão isso acontecerá? Por causa da sua fidelidade a Cristo? A universidade é um lugar de perdição e perdidos; mas nós não fomos comissionados para o mundo, sem sermos do mundo? A universidade é um lugar de batalha espiritual – há muitos demônios e potestades; mas não fomos nós habilitados com a armadura de Deus para ficarmos firmes contra as ciladas do Diabo? Aliás, não é contra estes a nossa luta? Não é o diabo o nosso inimigo? A universidade é, para o cristão, um lugar de caminhos solitários; mas não foi a nós prometido que Jesus estaria conosco até o fim dos tempos? A universidade é um lugar de ciência e não de religião; mas não somos nós que reconhecemos a possibilidade dos atributos invisíveis de Deus serem vistos por meio das coisas criadas e que toda verdade possui conexões legítimas com o Criador? A universidade é um lugar para eu reter e mostrar conhecimento; mas ela também não é um lugar para mostrarmos amor a Deus e ao próximo?
Por causa do pecado, não é natural que cristãos tenham lentes cristocêntricas e cristoexclusivistas (Jo 14.6; At 4.12) – ainda estamos sendo redimidos. Responder todas as questões com a perspectiva de Deus exige que nos disciplinemos para buscar e compreender as Escrituras tal como elas são. A seu respeito o salmista disse:
A Lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma. Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança, e tornam sábios os inexperientes. Os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao coração. Os mandamentos do Senhor são límpidos, e trazem luz aos olhos. O temor do Senhor é puro, e dura para sempre. As ordenanças do Senhor são verdadeiras, são todas elas justas. São mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro. São mais doces do que o mel, do que as gotas do favo. (Salmo 19.7-10 NVI)
Paulo escreveu a Timóteo que “toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17). Você crê nisso? As palavras do salmista e as do apóstolo se assemelham à sua definição e ao seu sentimento quanto a Escritura? John Piper, mais uma vez ele, disse: “Se houvesse alguma coisa que eu pudesse destacar seria isto: clame a Deus de noite e de dia para que Ele abra o seu coração para que você veja as coisas maravilhosas em Sua Palavra (Sl 119.18)” [10] – ênfase minha. Lembre-se, o Senhor se revela por meio de Sua Palavra (1Sm 3.21).
Sim, a Bíblia é a lente corretiva para pensarmos, nos emocionarmos e fazermos tudo pela perspectiva de Deus, inclusive desfrutar do tempo como estudante universitário. Ao meditarmos de dia e de noite na Palavra de Deus (Sl 119.97), ganhamos entendimento (Sl 119.104a) e aprendemos que o alvo da universidade não pode fugir do alvo da vida: glorificar a Deus (1Pe 4.11).
Não há melhor maneira de aproveitar a vida universitária do que compreender e apropriar-se da perspectiva de Deus, cujo filho unigênito “se entregou a si mesmo por nossos pecados a fim de nos resgatar desta presente era perversa” (Gl 1.3 – ênfase minha), “a fim de nos remir de toda a maldade e purificar para si um povo particularmente seu, dedicado à prática das boas obras” (Tt 2.13). Sua aprovação como aluno universitário dependerá muito mais de sua dedicação a Deus do que aos exercícios intelectuais. “Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Co 4.18). Por isso, “acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida” (Pv 4.28). “Peço que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, lhes dê um espírito de sabedoria e revelação, no pleno conhecimento dele” (Ef 1.17), para honra e glória de Deus.
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[1] Em http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/07/25/pegava-livros-no-lixo-ex-catador-de-brasilia-conta-como-virou-medico.htm. Acessado dia 18/07/2016 às 16h20.
[2] Em http://www.douradosnews.com.br/especiais/concursos-empregos/de-menino-pobre-a-juiz-uma-trajetoria-de-lutas-pela-realizacao-de-um-sonho. Acessado dia 18/07/2016 às 16h20.
[3] NVI foi a versão adotada para este texto.
[4] John Piper, Beyond the Gold [Além do Ouro]. Em http://www.desiringgod.org/messages/olympic-spirituality-part-1. Acessado dia 06 de agosto às 11h44, um dia depois da abertura das olimpíadas no Rio de Janeiro. (Tradução livre.)
[5] David Mathis, Watch for God at the Olympic Games [Atente-se a Deus nos Jogos Olímpicos]. Em http://www.desiringgod.org/articles/watch-for-god-at-the-olympic-games. Acessado dia 08/08/2016 às 11h30.
[6] Paul David Tripp, “What Is ‘Success’ in Parenting Teens?,” ed. David A. Powlison, The Journal of Biblical Counseling, Number 3, Summer 2005 23 (2005): 13.
[7] F. L. Cross and Elizabeth A. Livingstone, eds., The Oxford Dictionary of the Christian Church (Oxford; New York: Oxford University Press, 2005), 1488.
[8] David Mathis and Jonathan Parnell, How to Stay Christian in Seminary (Downers Grove, IL: Crossway, 2014), 11-12 (tradução livre).
[9] J. I. Packer, “Piety,” ed. D. R. W. Wood et al., New Bible Dictionary (Leicester, England; Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1996), 928 (tradução livre).
[10] David Mathis and Jonathan Parnell, How to Stay Christian in Seminary (Downers Grove, IL: Crossway, 2014), 11 (tradução livre).
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