Por Sam Williams
SEBTS – Outubro, 2006
“Ou o cristianismo é missionário por natureza, ou nega sua razão de ser.” — David J. Bosch, Transforming Mission, 1991
A maior parte do aconselhamento cristão, como no mundo informatizado com Windows e Macintosh, tem utilizado um dos dois sistemas operacionais concorrentes. O primeiro e mais comum, integracionismo, copia e cola princípios cristãos com psicoterapias seculares e coloca-se dentro do mundo da saúde mental secular: licença, certificação, clínicas, agências e hospitais. Da mesma maneira que há programas compatíveis com o Windows, disponíveis no mundo cibernético, o integracionismo parece notavelmente compatível com muitas teorias e métodos de aconselhamento. E como no Windows, seu sistema de segurança é falho, e, não raramente é comprometido pela invasão de vírus estranhos e cavalos de Tróia, que normalmente corrompem o sistema.
O segundo sistema operacional, menos comum (da Apple), o aconselhamento bíblico (“exortativo” em versões anteriores), usa a Bíblia como seu texto primário (e em versões extremas, somente) e evita expressamente, tanto as psicoterapias populares como as instituições e associações de licença de saúde mental. Como os fãs do Macintosh, os conselheiros bíblicos parecem muito confortáveis vivendo em seu próprio mundo e parecem se importar muito pouco com impacto e interação com os outros sistemas. Como os aficionados pela Apple, seus usuários são intransigentes e absolutamente convencidos de que o seu sistema é superior, e não conseguem entender porque alguém usaria um sistema IBM/Windows em seu computador. Minha alegação é que ambos os sistemas operacionais sofrem problemas de interconexão, o que tem prejudicado o impacto de seu Reino na cultura da saúde mental.[1] O que eu estou propondo é que uma cura, ou pelo menos parte de um plano de tratamento eficaz, possa ser encontrada em nossa própria caixa de remédios: o nome no vidro do remédio é Missiologia 101 e o ingrediente ativo é a contextualização cristã. Quero afirmar que o aconselhamento cristão tem, desde o seu início, falhado em pensar missiologicamente e, como resultado, temos sido essencialmente ineficazes como cristãos na cultura da saúde mental.
Estou propondo que passemos a ver nosso sistema da saúde mental como uma cultura distinta dentro da Cidade do Homem na América. Ela é, como todas as culturas, caracterizada por práticas e costumes únicos, uma linguagem comum (com vários dialetos) e uma visão de mundo dominante, esta visão de mundo inclui categorias e conceitos particulares e exclui outros, com estruturas de plausibilidade, metanarrativas e mini-narrativas caracteristicamente modernas. Ela é composta de cidadãos, líderes e seguidores de idéias semelhantes, produtores e consumidores que trabalham juntos por meio de consenso público ou secreto, de regras escritas e não-escritas. É, em outras palavras, uma cultura ou sub-cultura única, se assim você desejar, e, portanto, creio que deveríamos ver nosso sistema da saúde mental como um campo missionário ou, pelo menos, um tipo de grupo de pessoas não alcançadas. Aqueles que não conseguem ver o cristianismo como “missionário por sua própria natureza” ou que não reconhecem a cultura da saúde mental como uma cultura pagã, estão vulneráveis a uma série de vírus.
A psicologia secular é, digamos…, secular! Seus praticantes e seus conceitos, estruturas e métodos sociais são notória e conscientemente pagãos. Além do mais, Freud e Jung e muitos que os têm seguido estavam bem conscientes de que sua profissão em desenvolvimento estava deslocando pastores e igrejas e competindo com eles na compreensão e cuidado da alma humana. [2]
Estranhamente, a profissão da saúde mental, apesar da sua intenção original de entender e curar o que era mental, mente/psique/alma, começou a abandonar seu direito de primogenitura nos anos 60 por meio de behaviorismo externalista (literalmente) insensato; depois continuou esse processo de abandono com a psicologia cognitiva amoral, meramente pragmática dos anos 70 (originando-se em parte na teoria do processo de informação desumana da ciência da computação); e finalmente deixou para trás qualquer vestígio remanescente da alma nas duas últimas décadas do século XX, quando a psiquiatria biológica e o cuidado dirigido queriam que todos nós “escutássemos Prozac”. [3]
No entanto, esse desencantamento da psicologia não durou muito tempo, o que nos leva a um outro sentido, em que é vantajoso para nós ver o sistema da saúde mental como um campo missionário aberto: seu recente reencantamento. Não deveria ser surpresa que, no século XXI a profissão da saúde mental, tendo literalmente “perdido a cabeça”, começou a procurá-la novamente. Mudanças pós-modernas na filosofia e desenvolvimentos pluralísticos na cultura têm provido um contexto para reavaliação da espiritualidade. Religião e espiritualidade são agora reconhecidas por ambas APAs (Associação Americana Psicológica e Associação Americana Psiquiátrica) como campo legítimo de investigação (isto é, a psicologia da religião) e como paliativo para almas e sociedades doentes (compare especialmente a pesquisa de efeitos da fé religiosa na saúde por David Larson e Harold Koening).
Formas de psicoterapia religiosamente e moralmente carregadas (budista, hindu, feminista, gay, transpessoal e nova era) existem lado a lado com outras ofertas terapêuticas “científicas”. De modo crescente, o aconselhamento cristão não é mais meramente um enteado tolerado, mas, em vez disso, normalmente lhe é permitido que tenha um lugar na nova família da saúde mental. Está ficando mais comum, para listas de PPOs [4], incluir a categoria para conselheiros cristãos. Principiantes nesse reencantamento puderam ser vistos no fim do século XX nos 12 Passos dos programas de recuperação dos Alcoólicos Anônimos e programas clínico-hospitalares cristãos de saúde mental como New Life, Minirth-Meier e Rapha.
Em outras palavras, o campo da saúde mental não é mais um país fechado, mas, em vez disso, tem começado a abrir as portas, remodelando-se como tolerante e incluindo todas as religiões e moralidades. Crescentemente, terapeutas, médicos e pacientes não têm mais que consultar seus deuses na porta, antes de entrar. Encontrei-me recentemente com um membro dos diretores do LPC do estado que supervisiona requisitos educacionais para examinar as possibilidades de desenvolver uma licença para um curso acadêmico aceitável para os alunos no seminário onde eu leciono. Tinha certeza que preencheríamos os requisitos de seu curso, mas tinha dúvidas quanto ao seu desejo de aceitar nosso diploma, já que é um mestrado em “Aconselhamento Bíblico”. Para minha surpresa, ele respondeu à minha pergunta sobre a designação do nosso diploma sem hesitação: “Sem problemas”. Já aceitamos diplomas mais estranhos.
Obviamente, devemos continuar esperando que a cruz ainda seja ofensiva; veremos de maneira única, versões pós-modernas de intolerância e exclusividade, com tentativas de censurar perspectivas cristãs com falsos rótulos como “opressivas”, “intolerantes”, “violentas” ou “totalizadoras”. Entretanto, é um novo dia; e um que nos chama a reavaliar tanto o campo quanto nós mesmos. Quero dizer, nesse trabalho, que missiólogos evangélicos dão algumas dicas que são cruciais para essa tarefa de reavaliação e reorganização.
Até esse momento, a maior parte do aconselhamento cristão tem sido moderno e correlacionado em sua metodologia. Moderno porque tem transmitido semelhança da ciência funcional com revelação teísta; e correlacionado porque tem imitado metodologias e instituições seculares. Como resultado, a suposta exclusividade de uma psicologia cristã nunca se desenvolveu.
Pense sobre isso. Quão diferente você esperaria que uma psicologia fosse, na qual a metanarrativa:
- Sustenta que a alma humana foi criada e encarnada por um Rei de infinito amor, com poder ilimitado, que em sua perfeita sabedoria também criou e governa todas as outras coisas no universo;
- Sustenta que o Rei criou a humanidade com um propósito acima de tudo, que é adorá-lo, servi-lo, amá-lo e segui-lo e que, na realidade, Ele até a criou como ele mesmo para que ela o fizesse significativa e livremente;
- Diagnostica cada pessoa no planeta com uma doença contrária que é tanto contagiosa como fatal, uma doença da alma que faz com que esquizofrenia pareça uma gripe comum;
- Afirma que a única cura duradoura vem do Rei Criador, que enviou Seu único Filho para viver entre os homens e como eles, transferiu a doença mortal para Ele e que, após parecer que tivesse sido vencido pela doença, na realidade começa um processo pelo qual Ele a reverte e a cura.
- E então oferece essa cura sem cobrança a “quem desejar” simplesmente reconhecer que está de fato doente, sem esperança e confiar no Grande Médico e seguir suas prescrições.
Uma psicologia cristã necessariamente coloca em questão (para dizer de uma maneira branda) as narrativas de base e as pressuposições metafísicas, epistemológicas e antropológicas das psicologias seculares, em vez de oferecer versões juniores de seus sistemas pagãos. As psicologias regentes precisam ser confrontadas com sua negação defensiva de realidades espirituais, o diagnóstico divino (tanto de seus sistemas quanto de seus pacientes) e a cura cristã para almas. Eles estão desesperadamente em necessidade de redenção.
Nosso objetivo não é simplesmente obter uma cadeira na mesa psicológica, mas em vez disso, convidar aqueles que comem no Café da Saúde Mental para um banquete com uma comida além de seus sonhos mais extravagantes: um chefe que oferece pão vivo e água viva e até vida além da sepultura. Não seria uma adaptação do desafio inimitável de Lewis em “The Weight of Glory” (O peso da glória) oportuno? “Nós somos conselheiros com pouco entusiasmo, perdendo tempo com Freud e Rogers e Beck enquanto alegria infinita é oferecida a nós por Outro Conselheiro, como uma criança ignorante que quer continuar fazendo tortas de lama em uma favela porque ela não consegue imaginar o que uma oferta de um feriado na praia significa. Nós somos muito facilmente agradados.” [5]
Se a fé cristã é intrinsecamente um movimento missionário, então falhas nessa dimensão, a interface entre uma psicologia cristã e a cultura da saúde mental, são centrais e não incidentais. Correlativamente, David Wells afirmou: “a teologia, se é fiel à sua própria natureza, deve ser missiológica em seu propósito.” [6]. Estou propondo ao aconselhamento cristão que se é fiel à sua própria natureza deve ser missiológico em seu propósito ou ele nega sua própria essência, sua razão de ser.
A contextualização é um conceito que descreve ambos os patógenos que têm prejudicado nosso impacto e recomenda uma cura para elas. Missiólogos como David Hesselgrave, Paul Hiebert e Charles Kraft têm discutido contextualização por três décadas, o que é simplesmente a apreensão e a comunicação efetiva das implicações legítimas do evangelho (amplamente entendido como a Palavra de Deus em Cristo e nas Escrituras) para uma dada situação. Hesselgrave e Rommen mostram que “contextualização cristã pode ser entendida como a tentativa de comunicar a pessoa, obras, Palavra e vontade de Deus de uma maneira que é fiel à revelação de Deus, especialmente quando ela é colocada nos ensinamentos da Escritura Santa, e isso é significativo para receptores em seus respectivos contextos cultural e existencial.” [7](itálico meu)
A contextualização tem raízes no Novo Testamento. Em Atos 17, a partir do versículo 16, Lucas descreve como Paulo fala aos atenienses em praça pública em seu ambiente e em sua linguagem. Ele cativantemente elogia os atenienses por sua religiosidade e cita seus filósofos e poetas. Paulo está mais preocupado em estabelecer um ponto de contato e ganhar seus ouvidos do que desafiar sua idolatria, que ele inofensivamente se refere como “objetos de adoração”. Mas ele não pára aí. Ele encontra uma outra ponte conceitual no altar deles para o deus desconhecido, por meio do qual ele tanto desafia suas falsas crenças quanto, ao mesmo tempo, oferece genuína satisfação aos desejos do coração. O método de Paulo de contextualização começa com um “sim” ao seu impulso intratável para adorar, o que ele liga ao propósito criacional de Deus, mas termina com um claro “não” quando ele confronta sua ignorância e implora com eles arrependimento de sua adoração mal direcionada e vazia. Paulo proclama tanto o não e o sim do evangelho.
O evangelista João emprega uma estratégia semelhante no início de seu evangelho, em que ele tira o termo impessoal e filosófico (e religioso) “logos” da cultura grega de seus ouvintes e o recoloca e o redefine em termos distintivamente pessoais e centrados em Deus.
João estrategicamente adota seu desejo, sua compreensão e sua terminologia por razão/lógica/verdade e os reorganiza para ensinar que Cristo é a Verdade, o Caminho e a Vida. Ele diz “sim” ao desejo dado por Deus de ordem e compreensão, mas “não” à sua definição ímpia e impessoal.
O modelo de Leslie Newbigin para a comunicação do evangelho do outro lado de qualquer fronteira cultural segue um modelo semelhante:
- A comunicação tem que ser na linguagem da cultura receptora. Tem que ser de uma maneira que ela aceite, pelo menos provisoriamente, a maneira de entender as coisas que é incorporada em cada língua; se ela não o fizer, será somente um som sem significado que não pode mudar nada.
- No entanto, se ela for verdadeiramente a comunicação do evangelho, ela irá colocar radicalmente em questão essa maneira de entender incorporada na linguagem usada. Se for revelação verdadeira, ela envolverá contradição e chamará à conversão, para uma metanóia radical, uma mudança de direção da mente.
- Finalmente, essa conversão radical nunca pode ser a realização de nenhuma persuasão, ainda que eloqüente. Ela pode ser somente o trabalho de Deus. A conversão verdadeira, portanto, o que é o fim correto em direção a qual a comunicação do evangelho olha, pode ser somente um trabalho de Deus, um tipo de milagre, não natural, mas sobrenatural.[8]
Um outro missiólogo, David Bosch escreve: “Cristãos (e eu inseriria aconselhamento cristão) encontram sua verdadeira identidade quando estão envolvidos em missões, em comunicar a outros uma nova maneira de vida, uma nova interpretação da realidade e de Deus e em se comprometendo com a libertação e salvação de outros. Uma comunidade missionária é aquela que se entende como sendo tanto diferente quanto comprometida com seu ambiente; ela existe dentro do seu contexto de uma maneira que é atraente e desafiadora” [9] (ênfase minha)
Psicólogos cristãos em missão “aprendem a língua da cultura receptora” e depois buscam um compromisso distintivamente cristão com a psique humana, a profissão da saúde mental e sua academia, de uma maneira que é atraente e desafiadora para comunicar uma nova maneira de vida, uma nova interpretação da realidade. Em resumo, não permitamos que os paradigmas seculares predominantes (seja psicanalítico, cognitivo-comportamental, sistemas familiares ou qualquer outro) produzam estímulos primários ou estruturas para nosso próprio paradigma. Que nós a reconheçamos como pagãs e depois reconheçamos a graça comum de Deus, que às vezes brilha por meio de seus sistemas cheios de trevas, e finalmente que nós os convençamos da verdade, beleza e esperança do evangelho sob uma perspectiva cristã. Mas não nos esqueçamos da natureza profundamente espiritual dessa tarefa enquanto oramos para que seus olhos sejam abertos para ver a glória que brilha somente na face de uma psicologia que se deleita no Criador e Redentor.
Contextualização não é um processo livre de riscos. Um outro benefício do conceito missiológico da contextualização é que ela nos alerta sobre dois tipos de patologia que contagia a interface entre fé e cultura e, em nosso caso, entre a psicologia da fé e a diversa série de outras psicologias existentes na cultura da saúde mental. O primeiro patógeno é contextualização excessiva, o que é essencialmente sincretismo e pode ser encontrado mais freqüentemente em integracionismo Windows-ismo. A descrição de J. H. Bavinck de acomodação no campo missionário descreve bem o vírus:
“Acomodação” realmente não é apropriada como descrição do que realmente deveria ser. Ela aponta para uma adaptação aos costumes e práticas essencialmente estranhas ao evangelho. Tal adaptação provavelmente não leva a nada além de uma entidade sincretista, uma conglomeração de costumes que nunca podem formar uma unidade essencial. “Acomodação” conota algo de rejeição, de mutilação… A vida cristã não se acomoda ou adapta às formas de vida pagãs, mas toma posse da última e, desse modo, os faz novos (…) toma-os pela mão e os vira em uma direção completamente diferente; eles adquirem uma satisfação completamente diferente. Embora exteriormente haja muito que se pareça com práticas passadas, na realidade, tudo se tornou novo, o velho em sua essência morreu e o novo chegou. Cristo toma a vida de um povo em suas mãos, ele renova e restabelece o deformado e o deteriorado; ele preenche cada coisa, cada palavra e cada hábito com um novo significado e dá-lhe uma nova direção. [10]
Wells e Noll também descrevem os riscos inerentes à contextualização.
“Essa jornada interpretativa da Palavra para o mundo é cheia de perigo mesmo sendo cheia de potencial”. Pontes construídas entre a Palavra de Deus e nosso mundo são suscetíveis a ter trânsito em ambas as direções. No contexto mais amplo da teologia contemporânea, em que a necessidade dessa construção da ponte tem sido aceita há tempo, a maior parte do trânsito está indo na direção errada. As pessoas do século XX têm permitido que os constrangimentos cognitivos e as convenções psicológicas do nosso próprio dia limitem o que a Bíblia possa dizer. Isso reverte a situação correta. É a Bíblia que merece prescrever o horizonte cognitivo para o século XX, exatamente como tem sido para cada século. Muito mais do que a Bíblia, é o século XX que precisa ser desmitificado. Mas o próprio fato dessa discussão precisar acontecer é um aviso aos evangélicos dos perigos implícitos no processo de construir pontes.” [11]
O conceito de excesso de contextualização nos convida a nos desafiarmos, perguntando se nós assimilamos teorias e métodos seculares e se nos acomodamos ao sistema da saúde mental secular a ponto de a nossa psicologia e aconselhamento terem perdido sua borda profética e evangelística. Nós entendemos a nossa vocação, tanto com pacientes como na profissão, como missões? Nós estamos espalhando mais do que a graça comum? A Palavra de Deus é normativa e o Filho de Deus transformador em seu aconselhamento? Se não, você sofre de um vírus do excesso de contextualização.
O segundo sistema operacional Apple-ismo, o aconselhamento bíblico, sofre de um tipo oposto de patógeno: falta de contextualização. Conselheiros bíblicos têm desenvolvido distintivamente conceitos e métodos bíblicos por 35 anos, mas eles são decisivamente Amish em suas atitudes com relação ao mundo da saúde mental e pesquisa “secular”. Normalmente, eles vêem qualquer forma de cooperação com o sistema da saúde mental como capitulação mundana (o texto do “jugo desigual” é geralmente usado como prova). Portanto, interação significativa e persuasiva está próxima do nada e o pouco de interação que ocorre é caracterizada por crítica mal informada ou rejeição. Para a maioria dos conselheiros bíblicos, o sistema da saúde mental secular é um país fechado, e, infelizmente, um que eles não se arriscariam a entrar. Enquanto profissionais da saúde mental integracionistas diluem sua mensagem e métodos ao ponto de serem funcionalmente seculares, conselheiros bíblicos têm tido a tendência de retirar-se e manter sua mensagem para eles mesmos. Eles raramente saem de suas cavernas essênias e, quando saem, não são escutados porque eles falam em uma linguagem que é bombástica, mais amarga do que doce. Seu evangelho cai em ouvidos surdos porque eles não contextualizam sua mensagem de uma maneira que pareça conceitualmente relevante e demonstrativamente piedosa. Como conseqüência, as boas novas, uma psicologia bíblica prática e forte que está de fato se desenvolvendo ali a meu ver, nunca é ouvida. [12]
O que tem faltado nos sistemas operacionais Windows e Apple é uma disposição missionária que dirige e informa comprometimento profético e evangelístico e que se afasta do separatismo defensivo, de um lado, e sincretismo que se acomoda, do outro.
Para resumir, a contextualização é simplesmente o esforço de recuperar e resgatar, proclamar e aplicar práticas e conceitos cristãos para todos em qualquer lugar e em qualquer coisa. Parafraseando Abraham Kuyper, não há um quadrado de um centímetro nesse planeta de que o Senhor não diz: “meu”. É uma elaboração de uma noção de que a Verdade de Deus é redentora quando ele recupera e renova todas as coisas: purificando aquilo que tem sido corrompido pelo pecado em todos os níveis, universal (psicologias e filosofias, modelos e sistemas conceituais) e particular (vidas reais e problemas particulares). A contextualização aplicada ao aconselhamento, então, seria esse processo de falar “sim” e “não” à psicologia secular em cada nível de seus modelos:
- Estrutura teórica, conceitual
- Práticas e métodos
- Sistema de libertação institucional, sócio-cultural
Vamos considerar dois exemplos de contextualização: o primeiro no nível conceitual/teórico e o segundo em um nível sócio-cultural/institucional. Nosso objetivo aqui é começar com uma aceitação provisória de dois conceitos e sistemas chaves do sistema da saúde mental: o conceito de transtorno mental e a instituição de certificação/licença profissional. Nós começaremos com “sim” e depois “não” e então esboçar uma contextualização redentora de seu conceito e sistema.
Desconstrução e Reconstrução do “transtorno mental”
Ela funciona sem dizer que o propósito da psicoterapia e aconselhamento é tratar ou aconselhar transtornos mentais. Podemos concordar facilmente e dizer sim às observações de psicólogos e psiquiatras que há alguma coisa de errado com as pessoas no que diz respeito a pensamento, comportamento, emoção e relacionamentos. Quem discutiria que essas pessoas, algumas mais do que as outras, são mentalmente doentes? Obviamente, a maneira como você trata esses transtornos é uma função direta do você entende por “transtorno mental”, e é aí é que está o problema. As perguntas óbvias são as mais importantes: o que eles querem dizer com “mental” e o que eles querem dizer com “transtorno”.
Palavras, especialmente palavras-chaves para conceitos críticos, normalmente carregam toneladas de carga de visão do mundo. Portanto, interpretação cuidadosa é crucial quando se tem em vista interagir redentoramente com a língua de outras culturas. O Missiólogo holandês Willem Visser ‘t Hooft descreve esse processo no campo missionário em uma cultura estrangeira:
Palavras-chaves de outras religiões quando incorporadas pela igreja cristã são como pessoas deslocadas, desarraigadas e não assimiladas até que sejam naturalizadas. A introdução não crítica de tais palavras na terminologia cristã pode levar apenas àquele sincretismo que nega a unicidade e caráter específico das diferentes religiões e cria um relativismo sombrio. É necessário reinterpretar os conceitos tradicionais para colocá-los em um novo contexto, para enchê-los de conteúdo bíblico. Kraemer usa o termo “preenchimento subversivo” e da mesma maneira poderíamos falar de acomodação subversiva. Palavras da cultura e religião tradicionais devem ser usadas, mas elas devem ser convertidas da maneira em que Paulo e João converteram conceitos gregos filosóficos e religiosos. [13]
O próximo livro de Eric Johnson tem um capítulo excelente que discute a importância de traduzir conceitos carregados da visão do mundo de uma comunidade psicológica “estrangeira” que tem sua própria literatura distinta:
Essas literaturas tanto podem ser diferentes o suficiente uma da outra que nós poderíamos compará-las a duas línguas diferentes. (Depois neste capítulo, Johnson afirma que, em algumas áreas, “dialeto” talvez seja um termo analógico mais apropriado, especialmente onde a visão do mundo tem menos impacto tais como em neuropsicologia e memórias e tipos de inteligência). Se for dessa maneira, o conceito de integração pode não ser a melhor metáfora para a tarefa opondo-se à comunidade do cuidado da alma cristã com referência à literatura da psicologia moderna, mas tradução (…) a metáfora da tradução oferece uma maneira diferente e possivelmente mais vantajosa de entender a tarefa interpretativa da comunidade psicológica cristã do que a compreensão moderna de integração. Integração parece implicar que a tarefa é relativamente não problemática; os textos da psicologia moderna e teologia cristã são todos igualmente verdadeiros. Os cristãos precisam simplesmente ler e montar a verdade, como as peças de um quebra-cabeça. Tradução, por outro lado, comunica melhor que há um problema aqui. Ela sugere que a tarefa comece com diferenças em interpretação, compreensão e expressão (incluindo, em alguns casos, vocabulário) comum, pelo menos em algumas áreas que devem ser levadas a sério para que haja uma comunicação genuína, diferenças que surgiram em contextos sócio-históricos particulares. [14] (ênfase minha)
Desconstrução
Certamente um exame do conceito “transtorno mental” no MDE-IV não revela que há um problema aqui. A definição desse termo na introdução do MDE-IV é essencialmente uma desculpa: “o termo transtorno mental infelizmente implica uma distinção entre transtornos ‘mentais’ e transtornos ‘físicos’ que é um anacronismo reducionista do dualismo mente/corpo. O problema criado pela expressão transtornos ‘mentais’ tem sido muito mais nítido do que sua solução, e, infelizmente, ela persiste no título do MDE-IV porque ainda não encontramos um substituto apropriado.” (ênfase minha) Em outras palavras, o termo “mental” é constrangedor aos autores do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais porque ele implica (se não denota!) substâncias imateriais, espirituais, psíquicas que não correspondem a uma visão de mundo monista, biologicamente reducionista.
Uma outra pergunta óbvia é como eles definem “transtorno”? Deveria ser sem dizer que o ponto de início crítico para entender um transtorno é compreender a ordem adequada. O que é uma alma adequadamente ordenada? Definições seculares de transtorno mental operam em área sem Deus, caracterizada por neutralidade moral e espiritual. Portanto, de uma perspectiva cristã, eles são superficiais, meramente biológicos, sociais ou estatísticos, porque eles não reconhecem a ordem divina e o Ordenador das coisas espirituais e morais.
Deixe-me dar um exemplo que ilustra como uma perspectiva cristã sobre “mental” e “transtorno” tem impacto sobre o diagnóstico e o tratamento. Suponha que irmãos gêmeos, Paulo e Pedro Pagão, percam seu irmão mais novo Daniel que bebeu muito em uma noite e no caminho de casa em sua pick-up, saiu da pista e bateu em uma árvore, o que acabou com sua vida. Paulo responde à trágica morte de seu irmão com choque e depois uma crise existencial. A morte de seu irmão o atinge como uma marreta de borracha no meio dos olhos. Ele fica ao lado do caixão de Daniel antes de seu enterro, olha o corpo sem vida e pensa: “Poderia ser eu”. Paulo começa a ponderar questões sobre vida e morte que ele antes evitava. Ele percebe que um dia ele morrerá como Daniel e quer saber tanto sobre seu destino como sobre o destino de Daniel. Existe realmente um Deus? Se existe, eu estou pronto para estar diante dele? Esse céu e esse inferno são verdadeiros? Ele começa a acordar à noite, preocupado e ansioso. Ele tenta reafirmar a si mesmo que tudo está indo bem, sem razão para se preocupar. No entanto, seus medos continuam a importuná-lo e ele é incapaz de reprimir sua crescente ansiedade precipitada pela morte de Daniel. Uma semana depois, enquanto dirigia para casa depois do trabalho, ele tem uma crise de pânico. Ele acha que está tendo um ataque cardíaco e vai para a sala de emergência, onde ele é diagnosticado com uma síndrome do pânico.
Pedro, por outro lado, parece lidar com a morte do irmão calmamente. Nenhuma crise existencial para Pedro. Depois de um breve período de choque e luto, ele diz a si mesmo que tudo vai bem. Sem problema. Você vive, você morre. Ele fica diante do caixão de seu irmão, olha o corpo morto de Daniel com tristeza, mas sem ansiedade. Ele pensa: “Não existe céu. Não existe inferno. Não se preocupe. Seja feliz.” Ele experimenta muito pouco medo, e quando ele está com medo, ele o sufoca rapidamente com várias formas de falsa afirmação.
Aqui está a questão do diagnóstico. Se Deus é real e a Bíblia é verdadeira, e Pedro e Paulo são pagãos, qual deles tem um transtorno? Não é a falta de medo de Pedro completamente impertinente? Não são a ansiedade e o pânico de Paulo um sinal vermelho dado por Deus no seu painel espiritual, avisando-o que ele pecou e necessita da glória de Deus e que um dia ele estará face-a-face com esse Senhor da Glória e que, estar nu diante desse Senhor, sem a roupa da justiça de Cristo, não será uma cena bonita? Se nossas emoções não existem em um lugar sem Deus, mas, em vez disso, diante daquele com quem nos relacionamos, não está Pedro mal informado da realidade e a sua falta de medo um transtorno afetivo de proporção psicótica? Não é a ansiedade de Paulo a graça de Deus falando palavras de verdade?
Aqui está a questão do tratamento. Você teria ajudado Paulo se você tivesse simplesmente o medicado ou o ensinado a reduzir sua ansiedade com um regime de aconselhamento cognitivo-comportamental? Ou você o teria ajudado somente a apagar o sinal vermelho em seu painel emocional e fracassado em atingir a doença da sua alma que estava produzindo um sinal de perigo significativo? Se emoções são isoladas “dAquele com quem nos relacionamos”, elas são inevitavelmente mal interpretadas, geralmente mal diagnosticadas e às vezes reflexivamente medicadas ou, se não fosse assim, falsamente aliviadas.
Reconstrução
Teóricos das emoções nos dizem que as emoções são um produto da nossa avaliação cognitiva, nossas preocupações e nossas crenças. Em outras palavras, nossas interpretações da realidade formam a teia da qual nós construímos nosso complexo de afeto e emoção. [15] Enquanto realmente parece que nossos corpos e cérebros são equipados com uma série de emoções primárias, essas respostas instintivas são moldadas por nossa interpretação da realidade, nossa visão de mundo (certo e errado, ordem e transtorno, Deus ou não Deus, céu e inferno, evangelho e não evangelho). Uma psicologia cristã re-situa e re-configura emoções e transtornos mentais dentro de uma perspectiva divina que muda tudo.
Uma psicologia cristã diz “sim” ao óbvio; há algo desesperadamente errado conosco. Entretanto, uma reconstrução cristã do conceito de transtornos mentais começa levando cada um de nós aos nossos joelhos. A Bíblia dá um diagnóstico chocante: estamos todos com um transtorno! O Deus descrito nas Escrituras é um diagnosticador de igual oportunidade, declarando todos em todo lugar com uma doença moral e espiritual terminal. “Também o coração dos filhos dos homens está cheio de maldade; há desvarios no seu coração durante a sua vida” [16] A explicação bíblica nos diz que toda a criação, incluindo tanto o corpo quanto a alma, tem sido infectada com um psico-vírus letal e contagioso. Diante desse Santo e Amoroso Deus, toda alma é declarada louca.
A psicologia cristã também diz “sim” à imaterial, não vista realidade da mente, alma e psique. Em um sentido os autores do MDE-IV estão certos; nós somos “anacronistas”. Nós acreditamos que o Rei das Nações certamente colocou eternidade nos corações dos homens. [17] É aí que somos feitos como Ele, à sua imagem, mas também feitos para Ele e devemos explicação para Ele. Podemos reconhecer a possibilidade de que alguns dos nossos problemas podem ser fisiológicos; toda a criação foi infectada pelo vírus do pecado. Mas, independente do grau relativo de saúde e doenças em nossos corpos, a Bíblia diz que são os nossos corações que são a fonte de nossas loucuras. O corpo pode estar doente, mas nossos corações são a fonte característica da qual fluem todas as coisas “mentais”, ações, palavras, pensamentos, intenções, crenças, atitudes, afetos, desejos, emoções e deleitos. Um corpo doente pode fazer-nos sofrer, mas não pode nos fazer pecar. É a mente ou o coração humano, em outras palavras “eu”, que sou o marco zero para a bomba de hidrogênio que a Bíblia chama de pecado. Pessoas e pacientes não fazem sentido, pelo menos não em nenhum sentido que é remotamente cristão, longe de uma compreensão adequada da doença que a Bíblia chama de pecado. Podemos ver na ilustração de Pedro e Paulo que uma conceitualização distintivamente cristã de transtornos mentais é completamente formada por nossa compreensão distintivamente cristã de realidade moral e espiritual.
Uma reinterpretação missiológica da licença
Consideremos um outro exemplo da contextualização redentora: uma reconceitualização da licença e da certificação do estado, a que nós nos referimos como um tipo de plataforma para o aconselhamento cristão – um tipo de visto, por um lado, que concede acesso, permitindo que o conselheiro ou psicólogo entre e viaje no mundo da saúde mental. Por outro lado, um cartão de admissão que legitima o trabalho e o direito de alguém de ser ouvido e comprometer-se em um discurso significativo. Comecemos com uma desconstrução cristã do sistema de libertação social sancionada pelo estado para o cuidado das almas e depois consideremos uma reconstrução, uma razão missiológica para participação na jurisdição do grupo de liderança profissional sobre o cuidado da alma no setor público. Nesse processo, nós veremos os benefícios e responsabilidades de participar no cuidado da alma sob essa rubrica de licença.
Desconstrução
Quem deveria sancionar e regular distintivamente o aconselhamento cristão, os rituais de treinamento e a prática real do cuidado da alma? A qual instituição, a igreja ou o estado, deveria pertencer a jurisdição da psicologia e psicoterapia? A ordenação secular é realmente necessária para diagnosticar e aconselhar almas doentes, ou é somente permissível e tolerada como um meio legítimo para os resultados do Reino (não diferente da perspectiva de Luther na relação entre o casamento e o estado)? Finalmente e menos otimisticamente, até que ponto o licenciamento é uma institucionalização de “trabalhadores pastorais seculares” (Freud), fazendo o “papel de líder religioso” e teólogo (Jung), portanto preenchendo uma “função definitivamente religiosa” (Fromm)? As respostas dessas questões dependem da sua visão de aconselhamento, de missão e de sua compreensão da relação adequada entre evangelho e cultura.
O sistema regente da saúde mental americano não foi criado ex nihilo. Há um fluxo lógico e seqüencial de alguns pontos de uma psicologia particular:
- Conceitos e teorias que dão origem a ela
- Uma ênfase em práticas e métodos particulares que resultam no seu desenvolvimento
- Estruturas e instituições sociais unicamente congruentes para implementação de seus conceitos e libertação das suas práticas.
Os líderes do estado que certificam e licenciam não são propensos à ordem natural. [18] São entidades jurisdicionais situadas dentro de uma cultura particular na qual uma visão moderna (= secular e empírica) de psicologia reina e incorpora seus métodos, hábitos e jogadores. Não foi sempre assim e não é assim em todo lugar; licença de pessoas que escolhem uma vocação devota à compreensão e ao cuidado da alma é um desenvolvimento do meio ao fim do século XX no não tão selvagem Wild West. [19]
Chamar licença de moderna, secular, empírica e pagã não é dizer que ela é de todo ruim. Não podemos negar os benefícios comuns que vêm desse sistema de libertação defeituoso. No entanto, embora Deus tenha disposto cultura, até o ponto em que ela é secular e pagã, Ele não dispôs. [20] Sua graça comum é evidente nessa cultura da saúde mental, mas sua graça especial é essencial para reordená-la para Sua glória maior. Mais sucintamente, licença e certificação, exatamente como democracia e capitalismo, não são de todo ruins, mas precisam desesperadamente de redenção. O príncipe desse mundo não é o nosso Senhor ainda.
H. Bavink descreve os efeitos tradicionais das formas e instituições culturais pagãs e os efeitos da redenção sobre eles: “Dentro da estrutura da vida não cristã, costumes e hábitos servem tendências idólatras e (neles, separado da obra redentora de Deus) leva uma pessoa para longe de Deus. A vida cristã toma-os pela mão e os coloca em uma direção completamente diferente (…) Embora exteriormente haja muito que se pareça com práticas passadas, na realidade, tudo se tornou novo, o velho em sua essência morreu e o novo chegou. Cristo toma a vida de um povo em suas mãos, ele renova e restabelece o deformado e o deteriorado; ele preenche cada coisa, cada palavra e cada hábito com um novo significado e dá-lhe uma nova direção.” [21]
David Powlison, editor do Journal of Biblical Counseling (Jornal do Aconselhamento Bíblico), admite: “Não é necessariamente errado que os cristãos trabalhem dentro do sistema da saúde mental se eles conseguirem fazer isso sem serem forçados a comunicar idéias falsas, diagnostica e prescritivamente, àqueles a quem aconselham. Às vezes, na graça comum de Deus, os cristãos recebem grande liberdade dentro de um sistema ostensivamente secular (…) Nenhum evangélico deveria fazer objeção se intenção de guiar dos psicólogos evangélicos tinham que infiltrar o sistema da saúde mental secular.” [22]
Na realidade, isso é exatamente o que eu estou propondo, uma invasão do sistema da saúde mental para a glória de Deus e o bem dos homens. Invasão e infiltração, terminologia agressiva de missões, simplesmente reconhecem as realidades espirituais ambivalentes e a natureza revolucionária da tarefa. A licença nos concede status como moradores alienígenas na Cidade do Homem, mas nunca esqueçamos que somos, acima de tudo, agentes no universo de Deus, revolução redentora que não se pode parar. Um exército de psicólogos intencionalmente e radicalmente cristãos deveria virar o mundo da saúde mental do avesso porque anunciaria a chegada de um outro Rei.
Reconstrução
Nesse esquema, licença e certificação seriam simplesmente uma parte de uma contextualização fiel e relevante da psicologia cristã em praça pública. Participantes se lembrariam continuamente que eles são embaixadores, representando e requerendo a capacitação de um Outro. Eles continuariam cientes de que sua cidadania primária é na Cidade de Deus, e que, embora eles tenham ganhado um visto e um cartão de admissão para a Cidade do Homem na cidade alegadamente secular. Eles perceberiam que a sua legitimidade diante de Deus para ministrar a almas não requer nenhuma sanção do estado, mas também buscariam essa sanção com uma motivação paulina, tornando todas as coisas para todas as pessoas para que alguns sejam salvos (entendendo a salvação com termos compreensíveis e holísticos). Portanto, haveria consciência de que este mundo é, na verdade, o palco de Deus para a redenção. Eles levariam a sério a responsabilidade de estar neste mundo, mas também não do mundo. Eles entenderiam as tentações presentes com relação ao sincretismo, tendo sempre em mente a admoestação de Paulo de ter cuidado para que ninguém o faça presa sua por meio de filosofias “persuasivas” e “plausíveis”, mas vãs, que não reconhecem os tesouros da sabedoria e conhecimento encontrados somente em Cristo (Cl 2:3-8, 23). Eles entenderiam como evitar apaixonar-se pelo mundo e pelas coisas que há nele (1 Jo 2:15), mas, ao mesmo tempo, ser um amigo de pecadores (Mt 9:10-13, 11:19). Em vez de ver a licença e certificação como que concedem bona fide, afirmação e legitimidade Coram Deo, eles o veriam como um meio legítimo de estar em parceria com Deus na Missio Dei, exatamente como Paulo fez seu status público com respeito à lei em 1 Co 9:19-23.
Uma reconstrução/redenção cristã da licença/certificação do estado poderia também ser consolidada pelo conceito de uma plataforma missionária. Um bom ponto de partida para entender uma plataforma (às vezes denominado “plataforma de acesso criativo”) é com o sentido simples do termo: uma plataforma é algo onde você fica em cima. Para missionários estrangeiros modernos, sua plataforma incluiria seu visto de missionário, identidade de missionário e trabalho de missionário. No entanto, quando os missionários começaram a bater nas portas de “países fechados”, eles descobriram que eles não podiam entrar nem como missionários e nem para fazer o trabalho de um missionário, como tinha sido anteriormente conceitualizado. Eles começaram a examinar outros meios pelos quais eles talvez pudessem entrar e trabalhar legitimamente dentro desses países restritos. O adágio de Paulo: Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns (1 Co 9:22), sancionou e proveu ímpeto para esse novo odre de vinho.
No caso de alguns de vocês começarem a ficar eticamente incomodados, deixe-me mencionar que plataformas devem ser riscos honestos e legítimos. Eles devem fazer o que reivindicam. Legal e economicamente, eles devem estar de acordo com o regulamento das instituições governantes relevantes e estar coerentes com as éticas e os princípios cristãos. Isso significa que, para psicólogos e conselheiros que escolhem esse caminho vocacional da contextualização, sua plataforma (licença e certificação) deve ser legítima e não inerentemente cruel, como quando as plataformas para missionários em países fechados devem ser válidas e éticas, um veículo em potencial para a graça comum de Deus. Licenças e leis do estado, regulamentos de diretores e códigos éticos profissionais não devem comprometer os compromissos de um psicólogo ou um conselheiro cristão. Também significa que eles devem evitar a motivação enganosa “os fins justificam os meios” e as estratégias grosseiras “seduz e troca”. Em outras palavras, o conselheiro missionário deveria ter um senso de chamado e dom genuíno, junto com o treinamento relevante, da mesma maneira que missionário-médicos devem ter o chamado, formação e treinamento como enfermeiro ou médico relevantes. Os comentários de Mike Barnett em The Changing Face of World Missions (A face Mutante do Mundo Missionário) são úteis aqui. Ele afirma que plataformas “provêem uma razão e um direito legítimos para compartilhar a fé entre as nações. Elas não são uma cobertura para atividades secretas, mas uma base para viver no meio, interagindo e comunicando o evangelho para aqueles ao nosso redor. Se você vai esconder seu propósito de testemunhar daquele pelo qual você foi enviado por Deus para ser uma testemunha, você fracassará em sua missão (…) Um missionário que esconde seu testemunho não é um missionário”. Barnett resume as motivações para uma plataforma em: acessibilidade, legitimidade, identidade, viabilidade estratégica e integridade. Portanto, uma plataforma pode prover acesso para aqueles em necessidade, legitimar a presença de alguém com eles, prover uma identidade ou status naquela comunidade, aumentar a viabilidade estratégica para relacionamentos, enquanto concedendo também o direito de ser ouvido e integridade para a voz de alguém. [23]
Estou ansioso para dizer, particularmente na visão da crítica desconstrutiva acima, que há uma importante diferença entre escolher praticar medicina ou enfermagem, dar aulas de inglês ou ser guia turístico como plataforma de alguém e escolher ser conselheiro profissional, trabalhador social ou psicólogo clínico licenciado. Essa diferença é a disseminada e sempre presente, embora normalmente não reconhecida, natureza religiosa do objeto e atores envolvidos no trabalho da saúde mental, não bactérias e ossos, segunda língua ou pontos turísticos, mas almas humanas e seus pastores. Em outras palavras, escolher aconselhamento como vocação de alguém é muito mais missiológica por causa da exata natureza do trabalho.
E, como trabalho missionário em outras culturas, o trabalho da saúde mental “secular” traz oportunidades especiais, mas também apresenta riscos únicos. David Powlison esclarece os riscos como segue:
Os cristãos devem perceber que quando eles são barrados de mencionar o pecado e Cristo, eles podem apenas descrever problemas, mas eles não podem diagnosticá-los precisamente; eles podem apenas sugerir a casca exterior das soluções, mas eles não podem atingir os problemas profundos que incomodam o coração. Os cristãos nesses sistemas ainda são livres para conhecer pessoas, para amá-las e prover misericórdias exteriores, mas eles são limitados a ser relativamente superficiais e moralísticos no conteúdo de seu aconselhamento. Infelizmente, em minha observação, cristãos bem-intencionados em sistemas de saúde mental normalmente são muito mais profundamente socializados e estão muito mais dentro da cultura do que eles percebem. Eles não conseguem reconhecer que estão trabalhando em uma zona radioativa, e eles absorvem diagnósticos falhos, explanatórios e modelos de tratamento sem saber que o fizeram. [24]
Radioativo, sim. Mortal, não. Existem riscos, mas eles não são necessariamente fatais. Uma opção que nós não temos, na minha visão, na visão do Missio Dei e na Grande Comissão, é de não ir. Não apenas podemos ir ou não só somos permitidos para isto. Como nesse mundo nós poderíamos manter distintivamente a cura e o cuidado cristãos com as almas para nós mesmos por meio do excesso de contextualização sincretista ou da insensível falta de contextualização? Existe uma outra verdade que liberte as pessoas? O amor de Cristo não nos constrange a ir? Ele não morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou? (2 Co 5:14-15)
Quem irá? Quem irá efetivamente proclamar o evangelho do aconselhamento biblicamente fiel exaltando Cristo em hospitais psiquiatras, instituições correcionais, centros de tratamento residenciais, centros de tratamentos diários, grupos em casas, asilos, hospitais de doentes terminais, agências comunitárias e centros da saúde mental? O missiólogo David Hesselgrave responde: “Efetividade primeiramente é uma questão de contextualizar e moldar a mensagem do evangelho para torná-la significativa e para que constranja os receptores em sua situação existencial e cultural. Tanto a tarefa da descontextualização como da recontextualização são mais bem cumpridas por pessoas que são experts na cultura e na linguagem envolvida, que entendem dinâmicas culturais e que idealmente são biculturais.” [25]
O remédio que eu sugeri para os vírus dos nossos sistemas operacionais resulta em tornar-se bicultural. Nenhuma tarefa pequena. Mas a nossa é uma tarefa santa, um vetor divino com raízes na missão do próprio Deus, que enviou o Filho, que envia o Espírito para capacitar aqueles que foram chamados, escolhidos e comissionados para aconselhar de uma maneira cristã. Vamos, então, nos tornar sábios psicólogos e conselheiros missionários comprometidos com um Cristo cujo amor nos constrange a cuidar da psique que Ele criou e somente Ele pode redimir.
Notas
[1] Por propósitos polêmicos, eu escolhi pintar com pinceladas largas. Certamente, há um espectro em cada um desses modelos de aconselhamento/sistemas operacionais e entre eles também. Eric Johnson faz um bom trabalho em seu livro pendente (2007), delineando dois tipos de integracionismo, fraco e forte, e dois tipos de aconselhamento bíblico, tradicional e progressivo.
[2] S. Freud: “As palavras ‘trabalhador pastoral secular’ pode bem servir como fórmula geral para descrever a função que o analista, seja ele doutor ou leigo, tem que desempenhar na relação com seu público.” The Question of Lay Analysis, Postscript (1926); C. Jung: “Pacientes forçam o psicoterapeuta assumir o papel de líder religioso e espera e exige que ele o livre de seus problemas. Essa é a razão pela qual nós, psicoterapeutas, devemos cuidar de problemas que, teoricamente falando, pertencem ao teólogo.” Modern Man in Search of a Soul (1933); Eric Fromm mostra que psicanálise tem definitivamente uma função religiosa”. Albert Reissner, Essays in Individual Psychology, Kurt Adler, ed. 1959; E. Fuller Torrey: “O trabalho de explicar comportamento desconhecido anteriormente caiu sobre o clero; psiquiatras o herdaram assim como herdaram outros aspectos do papel clerical.” The Death of Psychiatry (1974)
[3] Compare “An Intellectual History of Psychology, 3ª edição” (1995) de Daniel Robinson para maior esclarecimento e crítica da tomada de controle comportamental e biológica da psicologia moderna.
[4] Opção oferecida pelo plano de saúde em que os usuários recebem maior cobertura se utilizarem provedores aprovados pelo plano. N.T.
[5] Esse sermão foi publicado pela primeira vez em Theology, vol. 43 (1941).
[6] Above all Earthly Powers (2006), p. 9.
[7] Contextualization: Meaning, Methods, and Models (1989, 2000) p. xi, 199-200.
[8] Foolishness to the Greeks (1986) p. 5-6.
[9] Transforming Mission (1991) p.83.
[10] An Introduction to the Science of Missions (1960) p.179.
[11] Introdução ao Evangelicalismo moderno em Christian Faith and Practice in the Modern World: Theology from an Evangelical Point of View, ed. por Mark Noll e David Wells (1988) p. 15-16.
[12] É somente justo citar que muitos “conselheiros não bíblicos” nunca leram os primeiros trabalhos de Jay Adams nos anos 70. Enquanto o trabalho de Adams foi notável, o trabalho de David Powlison, Ed Welch, Paul Tripp e outros professores da Fundação de Aconselhamento e Educação Cristã (CCEF) estendeu, nuançou e adoçou o movimento de aconselhamento bíblico. Além disso, o trabalho de Adams teve como primeiro alvo pastores, enquanto o público da CCEF é muito mais amplo.
[13] Visser ‘t Hooft, W. A., Acomodação: verdadeira ou falsa, South East Ásia Journal of Theology, vol. 8, no. 3., (1967) p.
[14] Em impressão, 2007
[15] Veja os trabalhos de Aaron Beck, Albert Ellis, Richard Lazarus, Robert C. Roberts, os filósofos estóicos e muitos outros.
[16] Ec 9:3
[17] Ec 3:11
[18] Veja os capítulos de David Powlison em Psycology and Christianity: Four Views, ed por E Johnson e S Jones, 2000, p. 145-146, 215-217 e Care for the Soul: Exploring the Intersection of Psycology and Theology, ed por M. McMinn e T. Phillips, 2001, p. 52-56 e Ed Welch, que é um psicólogo clínico licenciado, em seu artigo “A Discussion Among Clergy: Pastoral Couseling Talks with Secular Psycology”, The journal of Biblical Counseling, Vol. 13, No. 2, 1995, p. 23-34 para crítica incisiva e pensamento sobre contextualização de licença/certificação.
[19] Oeste dos EUA para onde colonizadores europeus foram no século XIX. Conhecido como lugar onde a lei não era respeitada. N.T.
[20] David Hesselgrave, Perspectives on the World Christian Movement: A Reader, ed. por R. Winter e S. Hawthorne, 1981, p. 366
[21] Ibid., p. 179. Veja também os escritos de Philip Rieff, Christopher Lasch, Robert Bellah, James Hillman, Philip Kaufmann e Paul Vitz para crítica secular extensiva em relação aos potencialmente perniciosos efeitos da psicoterapia moderna.
[22] Care for the Soul: Exploring the Intersection of Psycology and Theology, ed. por M. McMinn e T. Phillips (2001) p. 55; Psychology and Christianity: Four Views ed. Por E. Johnson e S. Jones (2000) p. 145.
[23] The Changing Face of World Missions (2005) p.211, 224-5, 234-240
[24] Powlison, D., Questões nas Encruzilhadas em Care for the Soul: Exploring the Intersection of Psychology and Theology, ed. por M. McMinn & T. Phillips, p. 55.
[25] Int´l J. of Frontier Missions, Vol. 12:3, 1995, p.119.
>> Clique aqui para baixar o artigo em PDF.
Tags: Sam Williams
