Por Níckolas Ramos
Como já foi visto, o perdão não é uma série de invenções que as pessoas criam em suas mentes. Entretanto, olhando para as Escrituras, o que define precisamente o perdão bíblico e quais suas implicações práticas?
Em primeiro lugar, perdoar é demonstrar graça. Os textos de Efésios 4.32 e Colossenses 3.13 falam do perdão em termos de ofertar algo não merecido. A palavra utilizada (charizomai) também aparece em 2Coríntios 2.7,10, em que um irmão, arrependido pelo seu pecado, deveria receber graça e restauração, por parte dos demais crentes, a fim de desfrutar novamente da alegria da salvação.
Esse conceito é importante porque tendemos a ver o perdão como uma obrigação fria, forçosa e com fim em si mesma. Entretanto, a graça de Deus não apenas emite o cancelamento da dívida, como também restaura o ofensor graciosamente. Nesse sentido, Paulo incentiva Filemom a fazer ainda mais do que era pedido (Fm 21), exatamente como o Senhor fez conosco (Rm 8.32 — novamente, charizomai).
Na prática, isso significa presentear o cônjuge depois da resolução de um conflito, passear e conversar com os filhos depois de uma dura disciplina, ou ainda cumprimentar, com um sorriso simpático, alguém que lhe magoou, ao invés de manter uma “cara fechada” e antipática. Isso impedirá que o pecado cometido, mesmo já perdoado, continue a moer o coração do ofensor, levando-o a uma tristeza causada pela desesperança com relação ao favor de Deus (2Co 7.8-10).
Perdoar também é proporcionar liberdade, abrindo mão da justiça própria. Em Lucas 6.37, Jesus se refere ao perdão como “soltar” ou “deixar ir”. Trata-se do mesmo termo empregado para o divórcio (apoluó— Mt 5.31; Mc 10.2), transmitindo a ideia de romper um vínculo existente. Nesse sentido, o perdão constitui a dissolução de um “elo de justiça” ainda pendente. Quem perdoa, portanto, deixa o ofensor partir em liberdade, sem mais retê-lo.
Quando isso não acontece, o desejo por vingança floresce em nosso coração e a disposição em perdoar fica cada vez mais distante. Tertuliano de Cartago (160-220 d.C.) certa vez disse: “Quer ser feliz por um instante? Vingue-se. Quer ser feliz pra sempre? Perdoe”. Quando não perdoamos, trocamos uma perspectiva eterna e graciosa por uma visão de mundo imediatista e cruel, “prendendo” o ofensor pelo tempo que julgarmos necessário. Obviamente, tais intentos não satisfazem de modo perene o coração do ofendido, escravizando-o a uma vida de ingratidão e miséria.
É por essa razão que, curiosamente, os efeitos da liberdade dada ao ofensor também são desfrutados por quem perdoa. Enquanto quem cometeu o pecado, muitas vezes, caminha por aí com sua consciência livre e despreocupada, o ofendido leva consigo uma mágoa fantasma por onde quer que vá. É o perdão que desata esse fardo e impede que cada momento feliz seja maculado pelo rancor.
Em terceiro lugar, perdoar é uma decisão e, por isso, trata-se de uma disciplina da mente. Envolve memória, iniciativa e estabelecimento de prioridades (Mt 5.23-24). Sem dúvida, um bom exemplo prático desse ensino está na instrução do apóstolo Paulo aos coríntios quanto à celebração da ceia do Senhor (1Co 11.18-31). Ainda que não fale explicitamente sobre o perdão, esse episódio destaca com precisão a necessidade de o crente reconhecer, decidir e executar a reconciliação com os irmãos o mais breve possível.
Sendo uma disciplina, também é importante enfatizar que o perdão se manifesta naquilo que falamos e fazemos. Assim, ao perdoar alguém, não devemos mais levantar a ofensa, seja diante de Deus, de nós mesmos ou dos outros (Pv 17.9). Por isso, é essencial que o crente desempenhe o domínio próprio de sua língua, refreando qualquer comentário depreciativo ou que “faça a caveira” do indivíduo perdoado (Pv 16.28).
Por fim, perdoar é uma urgência! Não podemos deixar que o rancor e a ira “façam aniversário” em nosso coração (Ef 4.26,32). Como ouvi certa vez de um senhor já muito experimente, a mágoa é como banha de porco: maleável quando fresca, mas extremamente dura quando envelhecida. Por isso, busque a resolução de qualquer conflito o mais breve possível, antes que você sofra uma verdadeira metástase espiritual!
Ainda seria possível apresentar o perdão sob outras ópticas — uma expressão de gratidão pelo que o Senhor fez conosco (Mt 18.21-35) ou, ainda, um bom termômetro de como anda nossa vida espiritual (Lc 11.4). Apesar disso, as distinções aqui feitas já ajudam o crente zeloso a colocar em ação o perdão descrito na Bíblia. Pela graça de Deus, temos de nos conscientizar de que perdoar é preciso — como algo necessário — e que também é preciso — como algo exato. Que o Senhor, perdoador por excelência, nos conceda a graça de perdoar também!
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