Por Stefânia Silva
Quando uma pessoa diz que um cristão não pode opinar contra o aborto porque a fé é só dele e não pode ser imposta a terceiros, eu me pergunto porque a minha fé me invalidaria como ser pensante.
O nosso código penal não tipifica nem um décimo das condutas que os cristãos entendem como pecaminosas (e as que estão lá, como roubar, matar, estuprar, etc, estão por outro motivo) e não estamos brigando por isso porque, ao contrário da falácia ampla e irritantemente divulgada, não desejamos que religião e Estado se misturem (aliás, a ideia de haver separação entre Igreja e Estado foi de um cristão – a gente não gosta do Estado se metendo na nossa fé).
Ocorre que quando um não-cristão tenta convencer outra pessoa de seu ponto de vista, isso é argumentação, mas se um cristão se atreve a ter uma opinião sobre um tema qualquer, principalmente, um tema polêmico, isso é doutrinação e isso deve ser rejeitado sumariamente antes que contamine alguém. Acho que tudo que certos não-cristãos conseguem ouvir quando um cristão fala é “eu sou cristão, eu creio em Deus” repetidamente, sem parar (como se houvesse algum demérito nisso), mesmo que isso não tenha sido pronunciado, a menos que o cristão em questão, contra todas as expectativas, concorde com o que, geralmente, um cristão discorda.
O que é? Um cristão não é um ser humano com capacidade de opiniões políticas? Ser cristão é emitir um atestado de imbecilidade e abdicar do direito de ser considerado, só porque alguém não gosta do jeito que a gente pensa? A gente não pode falar mais a menos que concorde com os não cristãos? É isso?
Se a única razão para que não se concorde juridicamente com a morte de alguém for a profissão de uma fé, a humanidade está em grande apuros (e está!).
Não é anticientífico afirmar que a vida começa com formação do zigoto, haja vista, a formação de um novo código genético neste momento com todas as informações que chamamos de “identidade genética” de alguém.
Defender que a vida de uma pessoa não pode ser interrompida, desde a concepção, ao bel-prazer da gestante não é (e não precisa ser) um argumento religioso.
Se alguém prefere dar primazia a outras questões e tirar o foco de “é certo assassinar uma pessoa no útero?” e deslocar a discussão para “a mulher tem o direito de matar a pessoa dentro de si porque a norma penal atualmente ecoa a sistemática de opressão social e de controle da mulher, principalmente, da mulher negra e pobre” utilizando argumentos sociais (na minha opinião, furados), isso não é cientifico, é opinião, e eu posso discordar, preferindo dar primazia à vida do bebê e posso preferir, politicamente, que o Estado dê juridicamente preferência à vida do bebê e se o grande argumento contra minha opinião é que eu sou cristã então devo ser tratada como café-com-leite e não ser considerada, o “grande argumento”, na verdade, é pura e simples discriminação.
Pelo que eu entendi, homem não pode dar pitaco em aborto, porque homem não engravida. A menos que seja para se posicionar favorável à descriminalização. Cabe às mulheres a decisão. Principalmente, às mulheres negras e pobres excluídas socialmente e principais vítimas da opressão machista.
Eu sou mulher negra e pobre. MAS o grande defeito que me desqualifica para opinar sobre o assunto, pelo que eu pude depreender de uma série de postagens que surgiu no meu feed, é que eu sou cristã. E cristã contra o aborto. Se eu fosse a favor do aborto, isso seria uma espécie de “cláusula desculpante” que me colocaria na discussão de novo, em que pese eu ser cristã. Mas eu sou uma cristã contra o aborto e, como a fé é só minha e vivemos em um Estado laico, minha opinião não deve ser considerada.
ORAS!
Se alguém prefere acreditar que a vida só começa a partir de certa idade do embrião, isso é um posicionamento científico mais controverso do que o que eu preferi adotar, já que ninguém pode dizer que um ser humano começa antes da fecundação, ao passo que a discussão é basicamente se ele começa ou não na fecundação (se bem, que não ser gente no terceiro mês de vida… eu acho difícil alguém acreditar nisso).
E, considerando, a noção de valor da vida que as pessoas, independentemente da fé, costumam ter, é coerente um ser humano preferir não correr o risco de matar outro ser humano pela possibilidade (remota, pra não dizer improvável) de aquilo que está sendo exterminado não sê-lo.
Isto é, vamos legalizar a morte de alguma coisa que pode ou não ser gente sem antes eliminar a dúvida?
Não é tão importante assim se aquilo que cresce no ventre materno e, posteriormente, recebe um nome e mais uma série de direitos, é ou não um ser humano? E se não é vida humana, o que é?
Se uma mulher pode extinguir uma vida que depende somente dela para viver, o valor da vida humana começa quando? A vida humana tem valor por quê? Porque quando sai do ventre significa que alguém se dispôs a amá-la ou porque a lei diz que ela pode receber um nome e é herdeira de alguém?
Se nós não podemos dizer que o valor da vida humana pode ser relativizado ou se nós não podemos afirmar categoricamente que o feto/embrião/bebê não é um ser humano, o que estamos fazendo discutindo se ele pode ou não ser morto? Isso não é importante? A mãe entender que não pode ou simplesmente não querer assumir essa responsabilidade e passar pelo processo gestacional é mais importante que a – provável – vida de alguém indefeso? Porque ele não grita, ele não sente dor e matá-lo não é o cúmulo da crueldade? Porque ninguém preparou um quarto pra ele, ele não é importante? Porque ele é pobre, não pode ser feliz e nem ter uma chance?
Vamos todos lamentar cada aborto que ocorre no Brasil, mas concordar que eles ocorram, porque é a saída menos trágica? A grande solução para os problemas sociais é a legalização da destruição dolosa da vida humana no ventre materno? Pra quê? Pra evitar que as crianças venham para esse mundo e comecem a sofrer pela ineficiência estatal e pela desumanidade generalizada? Isto é, vamos tirar a vida deles pelo bem deles mesmos? Vamos todos ser empáticos com as abortistas e dizer “eu sei que foi difícil pra você” ou “você não teve outra escolha” ou ainda “a escolha é sua e ninguém tem nada a ver com isso”? Porque alguém não está disposto a ter o corpo e a vida modificados por ele, ele pode morrer? Ou porque é caro ter um filho e alguém não tem orçamento pra isso? Porque a gravidez não estava nos planos e não há tempo para cuidar de um bebê? Porque a menina não sabia que antibiótico cortava o efeito do anticoncepcional e aconteceu um “acidente”, ela deve poder remediar o “problema” com a interrupção da gravidez? Agora motivos torpes e fúteis são suficientes para decidirmos pelo fim da vida de alguém? Não é mais preciso observar a ética e a humanidade na edição de leis?
A gente não se preocupa mais com o que é bárbaro? É só fechar os olhos, dizer que a vítima, na verdade, sequer é humano e realizar o assassinato num lugar limpo com um profissional habilitado e estará tudo certo? Pode ser realmente uma opção de alguém exterminar a vida de outro só porque esse outro ainda não tem consciência da própria existência e não sabe o valor da própria vida? A vida humana vale tão pouco que vamos submeter o seu valor a juízos de conveniência da mãe? Agora devemos ser utilitaristas sobre vida e morte? Porque o Estado não pode impedir os abortos ilegais, ele deve ser conivente com todos eles? Porque os pais são ausentes ou sequer se assumem como pais e não existe tipificação penal para a irresponsabilidade masculina simplesmente vamos conceder às mulheres o direito de matar a única pessoa desse triângulo disfuncional que é completamente indefesa e inocente de tudo isso? A gente não tem que discutir isso por esse viés? Não é necessário que as leis de um país sejam boas e justas? É justo dar licença para as gestantes matarem seus bebês desde que eles ainda estejam no ventre?
É preciso invocar Deus para que isso seja errado? É isso?
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