Por Abdênago Lisboa Jr.
Gênesis 46.26-27 – “Todos os que vieram com Jacó para o Egito, que eram seus descendentes, fora as mulheres dos filhos de Jacó, todos eram sessenta e seis pessoas; e os filhos de José, que lhe nasceram no Egito, eram dois. Todas as pessoas da casa de Jacó, que vieram para o Egito, foram setenta.”
Êxodo 1.5 – “Todas as pessoas, pois, que descenderam de Jacó foram setenta; José, porém estava no Egito.”
Deuteronômio 10.22 – “Com setenta almas teus pais desceram ao Egito.”
Atos 7.14 – “Então José mandou chamar a seu pai, Jacó, e toda a sua parentela, isto é, setenta e cinco pessoas.”
A história da ida dos filhos de Jacó para o Egito já foi citada no capítulo 6, quando foi mencionada a aparente contradição quanto ao tempo da escravidão dos israelitas naquele país. Agora temos a questão do número de pessoas que desceram ao Egito, pois em Gênesis, Êxodo e Deuteronômio este número é de setenta pessoas. Por outro lado, no livro de Atos, nas palavras de Estevão escritas por Lucas, o número citado é de setenta e cinco pessoas.
Muitas soluções já foram propostas para essa aparente discrepância. Há quem pense na possibilidade do número ser muito maior do que setenta ou setenta e cinco pessoas. No texto de Gênesis 46.20, lemos que as mulheres dos filhos não foram contadas. Quanto a isto Ryrie comenta:
Em ambos os relatos, apenas um grupo restrito é incluído, pois o número total da família de Jacó devia ser muito maior, incluindo as esposas dos filhos e netos de Jacó e os maridos de suas filhas e netas, que não são mencionados. Qualquer pessoa que tentasse listar os integrantes de uma família desse tamanho, facilmente acabaria estabelecendo duas maneiras de contá-los e certamente chegaria a dois resultados finais diferentes, sem que houvesse qualquer contradição.[1]
Derek Kidner também afirma que essas listas se referem somente aos descendentes de Jacó propriamente ditos. Por isso, a omissão das noras, embora membros da família.[2]
O mesmo escritor apresenta um relato mais detalhado destas contagens e da formação do total de setenta em Gênesis 46.8-27:
Esta lista dispõe a família em seus grupos de Lia e Raquel: primeiro os descendentes de Lia e de sua serva Zilpa (33 mais 16); depois os de Raquel e Bila (14 mais 7). Isto dá um total de 70, conforme os subtotais arrolados nos versículos 15, 18, 22 e 25. Mas Diná (15) deve ser acrescentada, dando 71, e 5 nomes devem ser subtraídos (Er e Onã, enterrados em Canaã, versículo 12), mais José, Manassés e Efraim, já no Egito, verso 20 (filhos de Azenate, filha de Potífera), para chegar-se ao número da progênie de Jacó que de fato viajou com ele, isto é, 66 pessoas, verso 26. O versículo 27 acrescenta depois os dois filhos de José e, por inferência, o próprio José, além de Jacó, para dar a soma de “todas as almas da casa de Jacó” que chegaram ao Egito mais cedo ou mais tarde, na história.[3]
Na tradução de Gênesis 46.27, a Septuaginta traz setenta e cinco pessoas (e`bdomh,konta pe,nte). O mesmo número aparece também num manuscrito hebraico de Qunram.[4] Estevão, sendo um judeu helenista[5], homem que normalmente se expressava no idioma grego, seguiu a versão da Septuaginta de Gênesis. Em Gênesis 46.20 (LXX) temos os cinco nomes que faltam no texto hebraico, sendo que se referem a um filho e um neto de Manassés e dois filhos e um neto de Efraim, os quais nasceram algum tempo depois da ida de Jacó ao Egito.
O quadro abaixo apresenta um resumo do que foi dito até aqui. [6]
HEBRAICO | LXX | |
Jacó e sua esposa | 2 | Não contados |
Filhos de Jacó | 12 | 12 |
Netos e bisnetos de Jacó que desceram com ele | 54 | 54 |
Filhos de José (Manassés e Efraim) | 2 | 2 |
Descendentes de José no Egito | Não contados | 7 |
TOTAL | 70 | 75 |
Concluindo, podemos dizer que o número de 70 pessoas citado no texto hebraico está correto. O número 75, em Atos 7.14, também está correto, pois Estevão citou a Septuaginta[7], que acrescentou os filhos e netos de Efraim e de Manassés. Mesmo sendo um detalhe difícil de ser percebido pelos leitores, podemos dizer que não se trata de contradição.
[1] Charles Ryrie. Teologia Básica, p. 114.
[2] Derek Kidner. Op. Cit., Gênesis 46.8-27.
[3] ibid
[4] Um sítio arqueológico perto do Mar Morto, onde, em 1947, foram encontrados alguns manuscritos depositados em cavernas.
[5] Um judeu que falava grego ou que vivia em parte helenizada do mundo, ou que adotara costumes típicos dos gregos.
[6] Norman Geisler e Thomas Howe. Manual de Dificuldades Bíblicas, p.353.
[7]O Sinédrio certamente teria contestado a afirmação de Estevão se a Septuaginta não fosse usada ou aceita pelos judeus da Judéia. Com efeito, o fato de a Septuaginta ter sido encontrada entre os manuscritos do Mar Morto demonstra que esse era o caso.
Artigo retirado do livro “Aparentes Contradições da Bíblia: Análise de 53 Passagens Bíblicas” sob a autorização do autor. (Editora Veredas)
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